domingo, 2 de maio de 2010

O ESPARTILHO ESTÁ DE VOLTA?

poucos dias assisti na Rede Globo de Televisão uma matéria sobre o espartilho e o corseletes, peças do vestuário feminino que tiveram seu auge na Era Vitoriana. Como sabemos, este período foi marcado por um extremo rigor dos códigos de conduta e pelo rigor com que homens e mulheres viviam a moral chamada vitoriana, porque sob os aupícios da Rainha Vitória. A moral vitoriana consistia em um alto grau de disciplina e controle dos corpos, de uma extenuante racionalidade, em que o comedimento dos gestos e das emoções eram vistos como valores nobres. Tudo isso aconteceu na Inglaterra do século XIX, embora a ideologia tenha atravessado as fronteiras inglesas.

Não é a primeira vez que tentam ressuscitar o espartilho sob o argumento de tornar as mulheres mais "femininas" e, por isso, mais bonitas e desejáveis. As mulheres contemporâneas estão sendo levadas a consumir um produto que promete ser uma versão "democrática" e menos dolorosa da "cintura de vespa" que projeta seios e nádegas, ambos símbolos do erotismo masculino. É sob a égide do discurso da beleza, do glamour e da democracia que a midia tenta revitalizar uma peça que, em algumas versões, impedia a mulher de se sentar.

O interessante nisso tudo é a recepção. As opiniões se dividem, mostrando que não há consenso e que a visão de passividade do espectador não se sustenta. Se a recepção é importante, os locais de produção não são menos, como assinala Teun Van Dick, analista do discurso. Sendo assim, a tentativa de revitalizar o espartilho pode ser visto como uma forma de relocar a mulher em um limite não apenas físico, mas psíquico, ajustando o seu corpo a uma bandagem e a sua mente a um código de comportamento, responsável pelo redesenhamento do corpo feminino pelo olhar masculino e, por estensão, o redesenhamento da mulher na sociedade. Na Era Vitoriana, havia a compressão do corpo como um todo. A moda era a inscrição simbólica das regras sociais, uma extensão do sentido que a sociedade ideologicamente esperava da mulher. Hoje, não menos diferente, a moda nos informa como funcionam as estratégias de encarceramento das mulheres aos padrões morais e de moda, associando o seu opressor à beleza, a sofisticação, ao desejo. Essa relação sadomasoquista implantada nos discursos contemporâneos produz o que eu considero ser um falso empoderamento das mulheres (na verdade, desempoderamento), mas que não é percebido devido ao alto grau de encantamento, de manipulação, de ignorância, de falta de perspectiva, de novos modelos e despolitização das mulheres. Além de tudo isso, o desencantamento geral com as utopias fizeram com que as mulheres apenas se ajustassem ao que está posto, embora possamos entrever vozes dissonantes nesse processo. É inegável  que a linguagem midiática exerce grande influência na formação de opinião porque utiliza os recursos necessários para a formação de um público aderente, mas compete à crítica feminista desenvolver dispositivos interpretativos para analisar os discursos.  

Segue abaixo o vídeo exibido pelo telejornal Hoje. Observe como o discurso é construído.