tag:blogger.com,1999:blog-33408835905166061292024-03-13T13:19:43.464-07:00Mídia e MulherLúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.comBlogger34125tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-57384551082813694962012-03-23T04:46:00.001-07:002012-04-02T13:56:50.188-07:00Estampas de violência de gênero<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A telenovela <strong>Fina Estampa</strong>, exibida pela Rede Globo de Televisão, no horário das 21h, tem sido muito injusta com as mulheres sobretudo as solteiras e bem-sucedidas, como a personagem vivida por Renata Sorrah. </span></span></div>
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<br /></div>
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<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A cassação da licença de Daniele (Renata Sorrah) para exercer a medicina teria sido para introduzir o tema ética? Parece que não.</span></span></div>
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<br /></div>
<div class="text_exposed_root text_exposed" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se obervrmos atentamente, veremos que as cenas da telenovela constróem uma imagem idônea da médica, mostrando que a sua atitude em manejar os gametas foi um ato isolado, na medida em que ela não é descrita ao longo dos capítulos como uma pessoa desonesta, mercenária e reincidente. Cassa-se a médica por um ato pontual em sua longa carreira ética, mas deixa livre um agressor como Balthazar que comete ao longo dos capítulos repetidamente agressões físicas e verbais à sua esposa. </span></span></div>
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<br /></div>
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<div class="text_exposed_root text_exposed" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A meu ver, houve um tratamento diferenciado para as duas práticas sociais e penso que este tratamento está relacionado com a visão que ainda se tem sobre o espaço público e privado. Aquele seria mais valorizado do que este, reforçando subrepticiamente o ditado "briga de marido e mulher não se mete a colher". A direção preferiu não se meter e deixar que o clichê, que tanto tem causado dor e destrução às mulheres, permanecesse: o mote de que o amor pode tudo, mas entendendo o amor como uma atitude de subserviência ao outro, herança judaico-cristã que nos persegue há séculos. </span></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas essa mesma lógi</span></span><span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ca parece não ter sido usada no caso de Daniele cujo amor pela medicina não foi o suficiente para redimi-la de seu único ato, mesmo tendo demonstrado ao longo de sua carreira uma idoneidade profissional e de ter expressado isso diante do Conselho de Medicina, representado na telenovela como uma instância que nos lembra os inquisidores medievais. O amor de Daniele foi comparado ao de Balthazar e colocado como menor, menos importante. Ele, criminoso reincidente, teve uma chance, mas ela foi queimada viva na fogueira do preconceito e que, por não achar lugar nesta sociedade, se auto-degreda.</span></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O desespero vivido pela personagem chegou ao ponto de querer voltar a fazer vestibular para medicina, no esforço de retornar à sua profissão, a sua única razão de existir, mas ela que já tinha sido condenada à pena máxima, deixou-se iludir, num claro gesto desesperador, de quem segura a único objeto flutuante antes do naufrágio. Sem a possibilidade de reintegração social, Daniele agoniza e é engolida pelas águas patriarcais que norteiam as práticas sociais de gênero.</span></span><br />
<br />
<span style="font-family: Arial; font-size: large;">O que considero também curioso é que Daniele era pesquisadora geneticista juntamente com o seu marido, mas é na viuvez que ela comete o desvio ético. Por que ela se culpa tanto e faz referência à memória do seu marido? Se ele estivesse vivo, ela teria feito a mesma coisa? Ela, por ser mulher, deixou a emoção falar mais alto? Os homens estão isentos a cometer esses erros? As razões seriam as mesmas? Será que a tutelagem, que tanto acompanha o discurso machista, não está sendo reforçada? </span><br />
<br />
<span style="font-family: Arial; font-size: large;">Se os homens representam essa regulação racional, as mulheres não seriam adequadas a desempenhar tarefas intelectuais, em razão do sexo. São inaptas a exercerem uma profissão que exige a aplicação da razão e, por isso, devem ser tuteladas. Para piorar, o que está em jogo é a reprodução. É como se elas fossem colocar as emoções acima da razão por uma condição inata ao sexo. </span></div>
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<br />
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O ódio às mulheres sem homem é visível nesta telenovela. A uma mulher intelectual, madura e independente reserva-se um final trágico, pois além de ser banida do convívio da sociedade (observe-se que ela não é vista em um círculo de amizades) é resgatada por um homem que não pertence a sua classe social e cultural, descrito como "golpista". No capítulo exibido ontem, 22 de março, em uma conversa com o pai (José Meyer) foi perceptível a sua indiferença ao revelar as suas esporádicas visitas a Daniele na África. Como se a sua aproximação com a médica fosse um gesto de misericórdia. <strong>O fato de o modelo ter agora dinheiro coloca-o em nível superior à Danielle que precisou perder o seu status social para ser feliz no amor</strong>. Que retrocesso...</span></span></div>
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<br />
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os constrangimentos para esta médica parecem ser poucos: neste mesmo capítulo, enquanto o emergente modelo caminhava pela rua com a médica, ele foi assediado por um grupo de jovens mulheres. Uma delas pediu que ele desse um autográfo em sua roupa, um top. Ele olha para Danielle e ela o <em>autoriza, </em>constrangida,<em> </em>a dar o autógrafo na região do seio. Para suplementar a punição a esta médica, a jovem referiu-se a ela como mãe. </span></span><br />
<br />
<span style="font-family: Arial; font-size: large;">Ela precisa passar por um sofrimento progressivo (pathos) e, como sempre acontece nas tragédias misóginas ocidentais, o desenlace da personagem feminina é a morte física ou simbólica. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Balthazar foi (re)integrado, mas Daniele foi execrada da sociedade, queimada na fogueira por uma hybris sociocultural que confere aos homens privilégios, pois a lei patriarcal ainda é a base das ações nas práticas sociais. </span></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E já que a telenovela tem tanto <em>merchandising</em>, seria uma ótima oportunidade de a Lei Maria da Penha<span class="text_exposed_show"> aparecer através de uma cena gravada na DEAM com Celeste denunciando Balthazar, se houvesse de fato algum interesse emancipatório para as mulheres. Como não há, isso se constituiria um desvio ético? </span></span></span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-75698892212619898822012-01-01T14:35:00.000-08:002012-01-01T17:32:25.693-08:00Resultado da enquete<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Uma enquete esteve disponível no ano passado sobre quais setores da sociedade mais desqualificavam a mulher nas propagandas. 15 pessoas votaram e destas, 10, isto é 66%, acharam que as propagandas de bebida são as que mais violentam as mulheres. Em segundo, com 3 votos (20%), ficaram a propagandas de produtos domésticos e em terceiro, com 02 votos (13%), as de moda. A indústria automobolística parece ter reduzido as propagandas que expunham a mulher e talvez, em razão disto, não obteve votação.</span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-91080448569214394132011-12-31T19:18:00.000-08:002014-03-18T15:52:36.982-07:00Lady Delish<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-pf8NSr-WRw8/Tv_PG6nG19I/AAAAAAAABW0/O6ozWj5_eE8/s1600/beyonc%25C3%25A9.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-pf8NSr-WRw8/Tv_PG6nG19I/AAAAAAAABW0/O6ozWj5_eE8/s1600/beyonc%25C3%25A9.jpg" rea="true" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">A indústria da cultura pop é um campo profícuo para as analistas críticas do discurso feminista porque produzem textos que contribuem enormemente para organização do tecido social com base nas relações de gênero. Por meio de referências intergenéricas, linguagens variadas, estrutura muitas vezes pouco linear, mais sugestivas do que explícitas, o texto audiovisual vai evocando e significando corpos, atitudes, ideologias. Os vídeosclipes são muito ricos neste sentido.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"></span></span></div>
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<a href="http://2.bp.blogspot.com/-r706Cc7fma8/Tv_PPlHpWJI/AAAAAAAABXA/OryjhIPBpPc/s1600/Pink_-_Greatest_Hits____So_Far.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-r706Cc7fma8/Tv_PPlHpWJI/AAAAAAAABXA/OryjhIPBpPc/s200/Pink_-_Greatest_Hits____So_Far.jpg" height="200" rea="true" width="200" /></span></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Neste blog, postei uma reflexão sobre o videoclipe de Beyoncé, <strong>Run The World (girls),</strong> material repleto de simbologias e imagens que sugerem o confronto de gênero e de sexo: de um lado as mulheres e do outro os homens, cada um marcando o seu território dentro de uma prática social que emana poder, disputa, projeção: o show business ou a indústria do entretenimento. Acontece que para as feministas da segunda onda, aquelas que foram formadas pelo pensamento da modernidade, não é fácil compreender o movimento das jovens envolvidas no <em>show business, </em>corporificando<em> </em>representações que parecem contrariar as bandeiras feministas. Nestes espaços, elas interagem com diferentes significações em torno da representação semiótico-performativa do que se entende como mulher nos discursos das letras, na musicalidade, na coreografia e na encenação. Essas jovens se tornam ícones de uma geração: Beyoncé, Pink, Amy Winehouse, Adele, Rhianna, Shakira, entre outras. Que mulher está sendo apresentada para o público consumir para ele se identificar? Quem é este público consumidor? Quais os signos em rotação, para citar Eco, que explodem em um videoclipe com menos de 5 minutos ou um megashow de 2 horas com palcos gigantescos, músicos especializados, onde a cantora canta, dança, pula, faz acrobacias, em meio a profusões de cores, ritmos e palavras? Vale destacar que a experiência visual de quem assiste a estes shows ao vivo é diferente de quem usa o DVD e assiste em casa. Neste aspecto, as câmeras tem um grande papel.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-QivWM5u0r3g/Tv_PVgzUurI/AAAAAAAABXM/P42PWs9Sh50/s1600/rhianna.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-QivWM5u0r3g/Tv_PVgzUurI/AAAAAAAABXM/P42PWs9Sh50/s200/rhianna.jpg" height="197" rea="true" width="200" /></span></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">O videoclipe de Beyoncé mostra que as mulheres competem arduamente, com firmeza e determinação na indústria de entretenimento com os homens, por isso a imagem no videoclipe de territórios demarcados. Para isso, elas lançarão mão de estratégias diversas, incluindo usar o fetiche para regular o fetichista. O corpo é extremamente espetacularizado, exageradamente adornado, para mostrar claramente que elas utilizarão, com a mesma intensidade com que são reguladas, o feitiço contra o feiticeiro. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-LBt2vjYiBkw/Tv_PbXNbFmI/AAAAAAAABXY/MHkL-ov28eA/s1600/adele-21.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-LBt2vjYiBkw/Tv_PbXNbFmI/AAAAAAAABXY/MHkL-ov28eA/s1600/adele-21.jpg" rea="true" /></span></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Outra representante da música pop, com influências do rock, é P!nk ou Pink, com proposta de alcançar também o público jovem com performances sofisticadas, sensuais, altamente estilizada.</span><br />
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">A música <strong>U + Ur Hand</strong>, de Pink, uma das mais executadas, parece trazer uma história baseada em fatos reais. A compositora e cantora resolveu retextualizar, como resposta a um fato ocorrido com ela mesma, o tema do assédio, o que certamente contribui para a adesão de várias fãs que já se viram na mesma situação: trata-se de uma jovem assediada, mas que rejeita a investida, por não querer servir de diversão para o rapaz, o que fica explícito no título da música U + Ur Hand (yo<strong>u </strong>and yo<strong>ur</strong> <strong>hand</strong>), uma expressão idiomática para masturbação. A letra sugere ainda que o assédio público pode ser uma simples disputa entre machos, uma aposta, na qual a mulher participa como objeto de um rito machista:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: yellow; color: blue; font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">“In the corner with your boys you bet up five bucks</span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: yellow; color: blue; font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">To get at the girl that just walked in but she thinks you suck</span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: yellow; color: blue; font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">We didn't get all dressed up just for you to see.”</span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="background-color: yellow; color: blue; font-family: Times, "Times New Roman", serif;"></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: yellow; color: blue; font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">“No canto com seus amigos, você apostou 5 dólares</span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: yellow; color: blue; font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Para ficar com a garota que acabou de entrar, mas ela te acha um idiota</span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: yellow; color: blue; font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Nós não nos produzimos só pra você ver.”</span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-EUIx54ks6E8/Tv_Qc7qBgiI/AAAAAAAABX8/cq9F7XxHIWI/s1600/amy-in-bazaar-november.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-EUIx54ks6E8/Tv_Qc7qBgiI/AAAAAAAABX8/cq9F7XxHIWI/s320/amy-in-bazaar-november.jpg" height="320" rea="true" width="257" /></span></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Em um videoclipe a música acompanha uma sequência de imagens e temos que levá-la em consideração. Nesta canção, a cantora Pink se transforma em várias mulheres, são seis ao todo, chamada Lady Delish ou Dona Delícia (delish é uma expressão idiomática para delicious). A experiência de Lady Delish ocorre tanto no livro folheado, no plano da ficção, quanto na realidade quando a leitora passa pela mesma situação, rompendo com a barreira entre ficção e realidade para mostrar a tênue linha que separa estas esferas. Como as bonecas russas, babooshkas, dentro do videoclipe existe um outro texto cujas letras escapam do livro e se diluem, sinalizando o processo de interação entre leitura e texto:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;"><strong>Primeiro capítulo: a garagem de Pancho</strong></span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Lady Delish adorava carros. Carros foram sempre mais confiáveis do que os homens que tratavam deles.</span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;"><strong>Segundo capítulo: O Buraco do Inferno</strong></span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Após o trabalho, seu treinador, Carlos, queria mantê-la [treinando]. Ela pulou e socou até sua raiva ter se esgotado. Com longas horas de treinamento, sua vida fascinante tinha se esvaído.</span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;"><strong>Terceiro capítulo: Sopro do vento</strong></span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Lady Delish, em seguida, migrou para o boteco ao escopo da vida selvagem. Muito músculo e pouco cérebro fez esses caras muito estropiados.</span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;"><strong>Quarto capítulo: Jardim do chá </strong></span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Lady Delish procurou por um homem que pudesse compartilhar seus interesses.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">* Lendo um livro chamado "Um sugestivo inquérito no mistério hermético" *</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Pelo menos, um livro com substância não era difícil ... </span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;"><strong>Quinto capítulo: O Mundo do Governador</strong></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Numa elegante noite, Laady Delish misturou-se com a elite. Sua percepção deles logo foi maculada.</span><span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;"><strong>Sexto capítulo: Em casa sozinha novamente </strong></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Ela olhou, ela tolerou, ela conciliou, mas Lady Delish ainda estava sozinha em casa. O que uma Lady vai fazer? Ela decide contactar uma antiga paixão com um presente (na caixa o endereço cujo destinatário é "Papai Dick". Ela sela a embalagem com um beijo deixando a marca do batom)</span></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">É uma canção que agrada jovens da área urbana que passam por experiência como a dificuldade de estarem no espaço público sem serem assediadas ou em um espaço historicamente masculino sem serem molestadas e o quanto reagir a tudo isso faz com que as jovens se tornem solitárias, sem uma boa companhia, porque quase todos os rapazes são tolos. Esta solidão parece ser uma realidade para as mulheres que já não aceitam qualquer pessoa ao seu lado e que têm a sensação de que estão fora do lugar. Porém a solidão, embora não quista, já não as apavora tanto, é uma opção. Elas preferem ficar sozinhas do que acompanhadas por um homem que não as respeitam e as tratam como um objeto de conquista, resultado de uma aposta, de uma competição. Neste aspecto, é que reconheço na música ecos de uma mensagem feminista, já que a mulher rejeita submeter-se ao código, embora faça uso dele, e prefira estar só. Esta ambiguidade embaraçosa está na pauta de discussão dos estudos pós-feministas, o que me faz lembrar de um artigo de Angela McRobbie no qual ela cita Judith Butler e o conceito de 'duplo enredamento':</span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
<em><span style="font-family: Times; font-size: large;">"Isto implica a co-existência de valores neo-conservadores em relação a gênero, sexualidade e vida familiar (por exemplo, o suporte de George Bush à campanha para encorajar a castidade entre o público jovem e, em março de 2004, declarar que a civilização depende do casamento t</span><span style="font-family: Times; font-size: large;">radicional) com processos de liberação em relação à escolha e à diversidade nas relações domésticas, sexuais e de parentesco (por exemplo, casais homossexuais agora estão aptos a adotar, criar ou ter seus próprios filhos e, ao menos no Reino Unido, tendo plenos direitos a ‘parcerias civis’). (McRobbie, 2066, 59-69)</span></em></blockquote>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Este início de século aparece muito violento para as mulheres que precisam aprender a conviver com a solidão para não sucumbirem a uma subserviência de gênero que só as desqualificam. Se é complexificação ou backlash, penso que seja uma complexificação em razão do backlash, uma tentativa de golpear o processo de emancipação, mas que as mulheres têm resistido, negociando muitas vezes com os elementos do próprio código. Esta estratégia gera ambiguidade, contradições, que rompem com um pensamento linear, de causa e efeito, que deixa nas bordas outros nexos. O resultado disso ainda não dá para visualizar, pelo menos não vejo, porque trata-se da recepção de uma geração que cresce imersa em uma bolha de apelos mercadológicos, ideológicos, espetaculares. </span><br />
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;"></span><br />
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Estou ainda pensando sobre tudo isso. </span></div>
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><br /></span><br />
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;"><strong>Referência:</strong></span><br />
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">In: CURRAN, James; MORLEY, David. Media and Cultural Theory. London/New York: Routlege, 2006, p. 59-69. Tradução: Márcia Rejane Messa. </span></div>
Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-75573417168284933932011-10-17T03:48:00.000-07:002011-10-17T03:50:06.817-07:00Discurso, Cerveja, Gênero e Raça<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-yGzw6oO_3Bs/TpwBtjOvecI/AAAAAAAABNM/GPekin8Sses/s1600/mulher-negra1-devassa2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" oda="true" src="http://4.bp.blogspot.com/-yGzw6oO_3Bs/TpwBtjOvecI/AAAAAAAABNM/GPekin8Sses/s1600/mulher-negra1-devassa2.jpg" /></a></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">A representação da mulher negra como objeto sexual é secular e é atualizado nesta peça publicitária com várias referências simbólicas: o <strong>vermelho</strong> (paixão), a <strong>rosa</strong> (amor), o <strong>sapato de salto fino e alto</strong> (sedução, fetiche), o <strong>vestido</strong> (sedução, erotização), <strong>meia de liga</strong> (sedução, fetiche). Porém, tudo isso quando associado ao desenho do corpo da mulher no enquadramento da foto, de costas para o(a) observador(a), com as pernas abertas (pela posição da perna esquerda), sentada inclinadamente na mesa, olhando de perfil, acentua-se a carga erótica. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Se atentarmos bem, a literatura sempre atrelou à mulata o eroticismo, basta ver a descrição de Rita Baiana, em O Cortiço, e de Gabriela, em Garbiela Cravo e Canela. A questão é quando essa imagem associa-se ao mercantilismo, orientando o consumidor a olhar uma experiência humana com a lógica do comércio, numa previsível relação de coisificação, neste caso a sexualidade da mulher negra </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Tudo isso ganha complexidade em uma cultura corporal como a baiana que muitas vezes não percebe as nuances do discurso e acaba se identificando com uma imagem ideologicamente montada para que haja uma identificação, porém para regulá-la. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">A questão é: de onde parte o discurso? Como as mulheres negras se vêem nessa representação? </span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-33549434403350723012011-09-22T03:54:00.000-07:002011-09-22T04:03:28.626-07:00MULHER AINDA GANHA MENOS<div style="text-align: center;"><embed allowfullscreen="true" allowscriptaccess="always" flashvars="&adtonomy.config=%2Ffw%2Fadtonomy2.xml&autostart=true&bandwidth=1049&bufferlength=4&dock=false&file=http%3A%2F%2Fatarde.sistemaplug.com%2Ffiles%2Fatarde.com.br%2Fvideo%2F2011%2F09%2F244874.mp4&image=http%3A%2F%2Fwww.atarde.com.br%2Farquivos%2F2011%2F09%2F244876.jpg&level=0&plugins=adtonomy%2Cviral-2&position=0" height="244" src="http://www.atarde.com.br/fw/flash/2010/01/player.swf" type="application/x-shockwave-flash" width="400"></div><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; font-size: large;">O vídeo mostra que a luta das mulheres não é apenas por sua inserção nos espaços de poder, mas manterem-se nele com dignidade, pois exercer o mesmo trabalho que os homens e ganhar menos é, no mínimo, indecoroso. Para ampliar as riquezas, investe-se no discurso de equiparação de gênero, aparente, já que não há garantia, de fato, que as mulheres possam usufruir do seu salário. Mas para onde vai essa mais-valia? </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; font-size: large;">Neste vídeo, que parece óbvio, podemos verificar que as lutas feministas permanecem, mas as estratégias de enfrentamento devem ser outras porque o nível de sofisticação, não da exploração, mas de escamoteá-la, tornou-se extremamente confusa, mesclando discursos conservadores com emancipatórios.</span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-72772014759145010162011-08-29T23:58:00.000-07:002011-08-30T00:08:21.022-07:00A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA DE GÊNERO E A LEI “ANTIBAIXARIA” NA BAHIA[1]<div style="text-align: right;"><span style="font-size: large;">Cecilia M. B. Sardenberg</span></div><div style="text-align: right;">OBSERVE- Observatório de Monitoramento da Lei Maria da Penha</div><div style="text-align: right;"><span style="font-size: large;">NEIM/UFBA</span></div><br />
<br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A polêmica atual instaurada em torno da constitucionalidade do Projeto de Lei no. 19.137/2011 (apelidada de lei “Antibaixaria”) da Deputada Estadual Luiza Maia da Bahia, que dispõe sobre a não contratação, com verbas públicas, de artistas que degradem a imagem das mulheres, me faz voltar pouco mais de vinte anos no tempo, mais precisamente aos fins dos anos 1980, quando da elaboração da Constituição do Estado da Bahia. Naquela época, nós, feministas atuantes no Fórum de Mulheres de Salvador, nos reunimos várias vezes para discutir a inclusão de um capítulo específico sobre os direitos das mulheres na nova carta magna baiana. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Inspiradas pelos avanços conquistados por nós na Constituição Federal de 1988 com a mobilização de mulheres, em todo país, e, em especial, pelo chamado “Lobby do Batom” – o lobby exercido diretamente junto aos deputados e deputadas constituintes -- ousamos ir além formulando uma proposta ainda mais progressista para a Bahia. Dentre outras questões de interesse das mulheres, incluímos nessa proposta disposições sobre a prevenção da violência contra as mulheres e a obrigatoriedade de criação de delegacias especiais de atendimento às vítimas em cidades com mais de 50.000 habitantes, a proibição da exigência por parte de empregadores de comprovantes de esterilização das trabalhadoras, a criação de comissões especiais para monitorar as pesquisas no campo da reprodução humana, e – de interesse especial para o momento -- o impedimento da veiculação de mensagens que aviltassem a imagem das mulheres. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Nossa ousadia se revelava, tanto no teor dessas propostas, quanto no fato de que, para defendê-las na Constituinte Estadual, contávamos apenas com a Deputada Amabília Almeida, a única mulher então exercendo mandato naquela casa. Mas, nesse ponto, não havia o que temer. Com muita diplomacia, a nossa querida Amabília, companheira de muitas batalhas, conquistou mais aquela, logrando transformar nossas propostas em princípios e leis sagradas na Constituição Estadual de 1989. Foi assim que a Bahia passou a ter uma das constituições mais avançadas do país no tocante aos direitos das mulheres. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Frente à citada polêmica em torno do Projeto de Lei da Deputada Luíza Maia, destaco aqui, em especial, o Art. 282 da Constituição Estadual, particularmente o inciso I, em que se afirma que o Estado da Bahia “garantirá, perante a sociedade, a imagem social da mulher como mãe, trabalhadora e cidadã em igualdade de condições com o homem, objetivando”, entre outras questões, “impedir a veiculação de mensagens que atentem contra a dignidade da mulher, reforçando a discriminação sexual ou racial.” Nesse artigo reside, sem sombra de dúvida, a constitucionalidade do Projeto de Lei “antibaixaria”. Aliás, ele vem com mais de vinte anos de atraso para regulamentar o que reza nossa Constituição desde 1989, como de resto ainda acontece com a maior parte de nossas conquistas nessa carta, que ainda aguarda regulamentação. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Em relação ao Art. 282, posso testemunhar que, já na década de 1980, ao propormos sua inclusão na Constituição da Bahia, tínhamos em mente, não apenas o combate à constante veiculação de anúncios em jornais, outdoors e na mídia televisiva, que em muito desmerecem, objetificam e assaltam moralmente a nós, mulheres, como também à cantigas que exemplificam, em suas letras, o que se classifica como violência simbólica de gênero – tal qual em “...nega do cabelo duro... pega ela aí, pega ela aí prá passar batom ... na boca e na bochecha”, música sexista e racista, popular na época! </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Na verdade, uma de nossas maiores preocupações era (e ainda é) o enfrentamento à violência de gênero contra as mulheres, particularmente a violência simbólica de gênero, que se infiltra por todo a nossa cultura, legitimando os outros tipos de violência. Por “violência de gênero”, refiro-me a toda e qualquer forma de agressão ou constrangimento físico, moral, psicológico, emocional, institucional, cultural ou patrimonial, que tenha por base a organização social dos sexos e que seja impetrada contra determinados indivíduos, explícita ou implicitamente, devido à sua condição de sexo ou orientação sexual. Isso implica dizer que tanto homens quanto mulheres, independente de sua preferência sexual, podem ser alvos da violência de gênero. Contudo, em virtude da ordem de gênero patriarcal, ‘machista’, dominante em nossa sociedade, são, porém, as mulheres e, em menor número, os homossexuais, que se vêem mais comumente na situação de objetos/vítimas desse tipo de violência.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Quando falamos de violência de gênero contra mulheres, pensamos mais de imediato em atos de violência física – agressões, espancamentos, estupros, assassinatos -- perpetrados, geralmente, por seus companheiros, e que acabam estampados em manchetes nas páginas policiais jornalísticas. Essa é, sem dúvida, a mais chocante e revoltante forma de violência de gênero, posto que atenta diretamente contra a vida de uma pessoa, não sendo raros os casos em que ela passa impune. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”, trouxe um grande avanço no enfrentamento à violência de gênero contra mulheres, vez que, além de criminalizar esse tipo de violência - que passava invisível na esfera doméstica e familiar - também reconheceu outras formas de violência, tais como a violência sexual, moral, psicológica, e patrimonial, como igualmente puníveis por lei. Cabe lembrar, porém, que tanto as agressões físicas, quanto essas outras formas de violência e sua impunidade, são legitimadas pela ordem social de gênero que caracteriza a nossa sociedade, a ordem de gênero patriarcal, ordem inscrita e perpetrada nas nossas instituições sociais, nos nossos sistemas de crenças e valores e no nosso universo simbólico, com ressonância nas relações interpessoais e na construção das nossas identidades e subjetividades enquanto homens e mulheres. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">De fato, a violência de gênero se expressa com força nas nossas instituições sociais (falamos então de violência institucional de gênero) e, de maneira mais sutil, embora não menos constrangedora, na nossa vida cultural, nos atacando (ou mesmo nos bombardeando) por todos os lados, sem que tenhamos plena consciência disso. Diariamente, ouvimos piadinhas, canções, poemas, ou vemo-nos diante de contos, novelas, comerciais, anúncios, ou mesmo livros didáticos (ditos científicos!), de toda uma produção cultural que dissemina imagens e representações degradantes, ou que, de uma forma ou de outra, nos diminuem enquanto mulheres. Essas imagens acabam sendo interiorizadas por nós (até mesmo as feministas “de carteirinha”), muitas vezes sem que nos demos conta disso. Elas contribuem sobremaneira na construção de nossas identidades/subjetividades, diminuindo, inclusive, nossa auto-estima.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Isso tudo se constitui no que chamamos de violência simbólica de gênero, uma forma de violência que é, indubitavelmente, uma das violências de gênero mais difíceis de detectarmos, analisarmos e, por isso mesmo, combatermos. Talvez até mesmo porque o ‘bombardeio’ é tanto, de todos os lados, que acabamos ficando anestesiadas, inertes, impassíveis, incapazes de percebê-la, bem como o seu poder destruidor. Na verdade, o mundo simbólico aparece como um grande quebra-cabeças a ser decifrado, difícil de abordar, vez que, como no caso das metáforas, ele se processa através de um encadeamento e superposição de símbolos e seus significados, ou de associações, transposições, oposições e deslocamentos. Destrinchar esses processos é muitas vezes adentrar num labirinto, correndo atrás de um novelo que torce, retorce, rola, enrola e dá nós, difíceis de serem desatados. Por isso mesmo, a violência simbólica é sutil, mascarada, disfarçada e, assim, bastante eficaz.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Certamente, não é esse o caso da “nova poesia baiana”, tal qual expressa nas letras do nosso cancioneiro popular contemporâneo. Ao contrário, não há nada de dissimulado nessas cantigas. Nelas, a imagem da mulher, de todas nós mulheres, é explicitamente aviltada, rebaixada, causando constrangimento naquelas que se prezam. Senão vejamos:</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Em “Me Dá a Patinha”, por exemplo, a mulher é abertamente chamada de “cadela”, porque está supostamente disponível para todos: </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>O João já pegou</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Manoel, pegou também</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>O Mateus engravidou,</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>tá esperando o seu nenem</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Carlinhos, pegou de quatro</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Marquinhos fez frango assado</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>José sem camisinha</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Pego uma coceirinha</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>O nome del'é Marcela</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Eu vou te dizer quem é ela</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Eu disse</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Ela, ela, ela é uma cadela</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Ela,ela mais ela é prima de Isabela</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Joga a patinha pra cima</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>One,Two,Three</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Me dá, me dá patinha</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><em>Me dá sua cachorrinha</em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
<em></em></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">(sic)</span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Igualmente desrespeitosa em relação às mulheres é a cantiga “Ela é Dog”, que segue a mesma linha (... estilo cachorra, ela fica de quatro, ela é dog, dog, dog, ....parede de costas), assim como “Rala a Tcheca no Chão” (rala a tcheca no chão, a tcheca no chão, a tcheca no chão, mamãe), sem esquecer de “Na Boquinha da Garrafa”, onde se afirma que ...no samba ela gosta do rala, rala, me trocou pela garrafa, não agüentou e foi ralar... vai ralando na boquinha da garrafa, sobe e desce na boquinha da garrafa,</span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">É na boca da garrafa... </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Ressalto que não se trata somente do gosto deveras questionável desses versos, mas, sobretudo, da incitação e legitimação da violência física contra mulheres que eles expressam. Como nos versos, ...se o homem é chiclete, mulher é que nem Lata, um chuta, o outro cata...”, ou então, na já combatida “Tapinha de Amor”: </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><em><span style="font-size: large;">Não era preciso chorar desse jeito</span></em></div><div style="text-align: justify;"><em><span style="font-size: large;">Menina bonita anjo encantador</span></em></div><div style="text-align: justify;"><em><span style="font-size: large;">Aquele tapinha que dei no seu rosto</span></em></div><div style="text-align: justify;"><em><span style="font-size: large;">Não foi por maldade foi prova de amor</span></em></div><div style="text-align: justify;"><em><span style="font-size: large;">A nossa briguinha foi de brincadeira</span></em></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">...</span></div><div style="text-align: justify;"><em><span style="font-size: large;">Não seja assim tolinha eu sei que tapinha de amor não dói</span></em></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">(sic)</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Não custa lembrar que foram mais de 30 anos de lutas dos movimentos feministas no país no combate à violência de gênero contra mulheres, uma luta que logrou trazer a elaboração e aprovação da Lei Maria da Penha em agosto de 2006. Essa lei cria mecanismos para “coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, assim destacando, em seus Artigos 2º e 3º:</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">De acordo com a Lei Maria da Penha, uma Lei Federal, e, como vimos, também de acordo com a Constituição da Bahia, é dever do Estado combater a violência, assegurando às mulheres o direito ao respeito e dignidade enquanto seres humanos. O Projeto de Lei apresentado pela Dep. Luiza Maia vem regulamentar a intervenção do Estado nesse tocante, dispondo sobre “a proibição do uso de recursos públicos para a contratação de artistas que, em suas músicas, danças, ou coreografias desvalorizem, incentivem à violência ou exponham as mulheres a situações de constrangimento.”</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Ressalte-se que não se trata aqui de cercear o direito de “livre expressão artística” de ninguém, já devidamente consagrada na Constituição Federal. Não se trata de fazer censura. Longe disso! Mas é necessário que o Estado não seja conivente com mensagens que façam a apologia da violência de gênero contra mulheres, utilizando verbas públicas – o dinheiro nosso e do nosso povo – para aviltar a nossa imagem! Fazê-lo, ou seja, contratar com dinheiro público quem assim procede é legitimar a violência de gênero contra as mulheres. É, pois, atentar contra a nossa carta magna, cabendo, pois, de nossa parte, a impetração de ações cíveis junto ao Ministério Público.</span></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Espera-se, outrossim, que o Projeto de Lei em questão também tenha um papel pedagógico. Que ele venha a conscientizar mulheres e homens desta Bahia (e por que não, do nosso Brasil) da necessidade de combate à violência contra mulheres, hoje expressa, de forma tão vulgar e grosseira, no nosso cancioneiro popular. Creio que é isso que minhas combativas companheiras do Fórum de Mulheres de Salvador, que comigo lutaram pelo avanço das nossas conquistas nos idos dos anos 1980, tinham também em mente quando sonhávamos com uma Bahia sem sexismo, sem racismo, e sem violência! <br />
--------------------------------------------------------------------------------</span></div><div style="text-align: justify;">[1] Uma primeira versão deste ensaio foi apresentada como contribuição aos debates sobre o Projeto de Lei No.19.137/2011, na Comissão da Mulher da Assembléia Legislativa da Bahia, em 24/08/2011.</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: center;"><span style="color: #cc0000;">O artigo acima foi autorizado por e-mail pela autora para fins de divulgação neste blog.</span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-50143792880810396812011-08-17T03:33:00.000-07:002012-07-07T16:19:25.142-07:00Mandem no mundo (garotas) - Beyoncé<span style="font-size: large;"><strong>Run the World (girls)</strong></span><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-H9omHJiZs0Y/TkuYsP9zQNI/AAAAAAAABGw/FvUbMoTqEyo/s1600/beyonce-girls-01.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="166" naa="true" src="http://2.bp.blogspot.com/-H9omHJiZs0Y/TkuYsP9zQNI/AAAAAAAABGw/FvUbMoTqEyo/s320/beyonce-girls-01.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="font-size: large;"><br /></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">A letra é composta por Beyoncé e traz também a participação de Major Lazer (Diplo e Switch), DJs responsáveis pela música. Tive conhecimento da composição através de uma aluna, após uma discussão sobre relações de gênero, condição da mulher, representações da mulher na mídia. Ao final da aula, ela me enviou por e-mail a letra traduzida e o link do videoclipe. Durante a sua intervenção, ela chegou a considerar que a produção artística tinha um olhar feminista, mas que, ao perceber que a cantora na performance "bate continência" para os homens, isso a teria feito mudar de opinião, pelo menos naquele momento.</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-ijpmBXnu9mM/TkuYzu4iwUI/AAAAAAAABG0/KkKRMfldZ0w/s1600/orig-14354941.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="179" naa="true" src="http://1.bp.blogspot.com/-ijpmBXnu9mM/TkuYzu4iwUI/AAAAAAAABG0/KkKRMfldZ0w/s320/orig-14354941.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Lembro-me que havia lhe dito que o gesto de "bater continência" tinha uma conotação de poder. A discussão prosseguiu e entrou pela aula seguinte. A questão é que na cultura militar, de onde o gesto tornou-se difundido, quem primeiro saúda é quem possui nível hierárquico inferior, o que traduziria na música uma inferioridade feminina. Talvez isso tenha trazido uma ambiguidade à composição. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">O videoclipe é um texto audiovisual que eclodiu nos anos 80 em uma linguagem mais voltada para a televisão. A sua estética veloz e de imagens fragmentadas coaduna com a narrativa condensada e sugestiva, daí a dificuldade de encerrar uma interpretação fechada, provocando, em geral, diferentes possibilidades interpretativas, uma das riquezas, a meu ver, deste gênero. Seu propósito consiste em divulgar uma música e, obviamente, o artista, e é exibido em televisão, tornando-se um meio poderosos de massificação musical e de projeção de cantores e cantoras. </span></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Em relação a Beyoncé, sabe-se que o seu grupo é formado apenas por mulheres e o videoclipe reforça essa escolha. A letra projeta a mulher em um mundo em que a sua afirmação de gênero se faz mediante a um discurso contundente, expressivamente firme, (em palavras, gestos e passos de dança) que busca por uma unidade das mulheres. O discurso de “quem manda” sugere uma disputa por espaço, de afirmação, dentro de uma sociedade de consumo em que o poder está relacionado ao que se pode comprar e pagar. As ideias de poder envolvem a emancipação em relação aos homens, através da autonomia financeira, do controle sobre a sua sexualidade, muito visível no vídeoclipe através do vestuário com base em tecidos diáfanos, meias de liga e lingerie, do acesso ao conhecimento (Deixe-me fazer um brinde/ Para as universitárias graduadas), e no direito de ter uma profissão e à maternidade (cuidar das crianças e dos negócios).</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-eTtmMGFZ878/TkuYnZbT9iI/AAAAAAAABGs/tXBQ-a2fGJQ/s1600/beyonce-run-the-world-1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="196" naa="true" src="http://2.bp.blogspot.com/-eTtmMGFZ878/TkuYnZbT9iI/AAAAAAAABGs/tXBQ-a2fGJQ/s320/beyonce-run-the-world-1.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="font-size: large;"><br /></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">O videoclipe é visualmente rico, composto em um ambiente underground, no qual dois grupos formados de um lado por mulheres e de outro por homens se enfrentam, nos lembrando dos videoclipes de Michael Jackson como Beat it, por exemplo. Os homens aparecem munidos de equipamentos militares (cassetete, escudo, medalhas de condecoração, farda, coturno, capacete), mas o outro (quem sabe o mesmo) aparece com leves semelhanças, porém sem os capacetes, os escudos. Esta ambiguidade pode sugerir uma linha tênue entre os dois mundos, até porque, se tomarmos a continência como exemplo, veremos que grupos não apenas militares a utilizam, mas os paramilitares ou, em suma, qualquer organização. O uso da continência está relacionado, assim, à identificação de membros do mesmo grupo. Se a saudação tem a ver com a identificação de pessoas que se reúnem para um mesmo propósito, de defender o território, neste sentido, o grupo de mulheres do videoclipe pode estar se colocando como um grupo organizado disposto a defender o “estado” das mulheres, mas que ao se dirigir para o outro, homens, reconhece-os como parte deste estado, no entanto essa aproximação não é sem tensão haja vista as referências no video ao carceramento e ao sofrimento das mulheres, evocados na modelo que está dentro de uma jaula e na outra que está amarrada em posição de crucufixão. A liberdade, a incontinência do prazer, expressa nas roupas das dançarinas, podem sugerir uma crítica ao olhar fetichizado sobre a mulher-objeto, e que elas utilizam agora como forma de empoderar-se. Mas ainda fica vaga a ideia de como se dá esse empoderamento, na medida em que ao se colocar nessa condição na vida real, elas são violentadas ou mortas, já que passam a controlar o desejo masculino. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-XloHnoxmQnQ/TkuYYX0I-KI/AAAAAAAABGk/yy7QxrNm7Oo/s1600/Beyonce-Run_the_World_%2528Girls%2529-WEB-x264-2011-GRMV_iNT_screenshot_1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="135" naa="true" src="http://2.bp.blogspot.com/-XloHnoxmQnQ/TkuYYX0I-KI/AAAAAAAABGk/yy7QxrNm7Oo/s320/Beyonce-Run_the_World_%2528Girls%2529-WEB-x264-2011-GRMV_iNT_screenshot_1.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Existem recursos simbólicos que envolvem cores, gestos, mas também animais, a exemplo do cavalo, hiena, búfalo, leão, espécies de origem africana e americana, podendo ser entendida como uma referência a cultura afro-americana. Os animais estão associados ao poder, à altivez, à força. </span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-CWwFCIPaE8g/TkuYf6s7qKI/AAAAAAAABGo/7mnVpxlO398/s1600/beyonce-run-the-world-video.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="135" naa="true" src="http://3.bp.blogspot.com/-CWwFCIPaE8g/TkuYf6s7qKI/AAAAAAAABGo/7mnVpxlO398/s320/beyonce-run-the-world-video.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Segue abaixo a letra da música traduzida</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: large;"><strong>Garotas, a gente manda nesta m*</strong>.</span></div>
<br />
<br />
<span style="color: blue;">Garotas, a gente manda nesta m*!</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas, a gente manda nesta m*!</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas, a gente manda nesta m*!</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas!</span><br />
<span style="color: blue;">Quem manda no mundo?</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas!</span><br />
<span style="color: blue;">Quem manda no mundo?</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas!</span><br />
<span style="color: blue;">Quem manda no mundo?</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas!</span><br />
<span style="color: blue;">Quem manda no mundo?</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas!</span><br />
<span style="color: blue;"><br /></span><br />
<span style="color: blue;">Quem manda nesta merda?</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas!</span><br />
<span style="color: blue;">Quem manda nesta merda?</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas!</span><br />
<span style="color: blue;">Quem manda nesta merda?</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas!</span><br />
<span style="color: blue;">Quem manda nesta merda?</span><br />
<span style="color: blue;">Garotas!</span><br />
<span style="color: blue;"><br /></span><br />
<span style="color: blue;">Alguns daqueles homens pensam que detonam isso</span><br />
<span style="color: blue;">Como nós</span><br />
<span style="color: blue;">Mas não, eles não detonam</span><br />
<span style="color: blue;">Vão conferir, cheguem em seus pescoços</span><br />
<span style="color: blue;">Nos desrespeitar?</span><br />
<span style="color: blue;">Não, eles não irão</span><br />
<br />
<span style="color: blue;">Garoto, nem tente tocar nisso</span><br />
<span style="color: blue;">Garoto, essa batida é louca</span><br />
<span style="color: blue;">Foi assim que eles me criaram</span><br />
<span style="color: blue;">Em Houston, Texas querido</span><br />
<br />
<span style="color: blue;">Essa vai para todas as minhas garotas</span><br />
<span style="color: blue;">Que estão no clube curtindo a última novidade</span><br />
<span style="color: blue;">Que compram para si mesmas</span><br />
<span style="color: blue;">E ganham mais dinheiro depois</span><br />
<span style="color: blue;"><br /></span><br />
<span style="color: blue;">Eu acho que preciso de uma folga</span><br />
<span style="color: blue;">Nenhuma desses manos podem me ocultar</span><br />
<span style="color: blue;">Eu sou tão boa nisso</span><br />
<span style="color: blue;">Vou te lembrar, eu conheço bem isso</span><br />
<span style="color: blue;"><br /></span><br />
<span style="color: blue;">Garoto, estou apenas brincando</span><br />
<span style="color: blue;">Venha aqui, querido</span><br />
<span style="color: blue;">Espero que você ainda goste de mim</span><br />
<span style="color: blue;">F*, me pague</span><br />
<span style="color: blue;"><br /></span><br />
<span style="color: blue;">Minha persuasão</span><br />
<span style="color: blue;">Pode construir uma nação</span><br />
<span style="color: blue;">Poder infinito</span><br />
<span style="color: blue;">Com o nosso amor, a gente pode devorar</span><br />
<span style="color: blue;"><br /></span><br />
<span style="color: blue;">Você vai fazer qualquer coisa para mim</span><br />
<br />
<span style="color: blue;">Refrão</span><br />
<br />
<span style="color: blue;">Está quente aqui em cima DJ</span><br />
<span style="color: blue;">Não tenha medo de tocar essa, tocar essa de volta</span><br />
<span style="color: blue;">Estou falando em nome das garotas</span><br />
<span style="color: blue;">Que já dominaram o mundo</span><span style="color: blue;"><br /></span><br />
<span style="color: blue;">Deixe-me fazer um brinde</span><br />
<span style="color: blue;">Para as universitárias graduadas</span><br />
<br />
<span style="color: blue;">Amigo, uma rodada e</span><br />
<span style="color: blue;">Eu te deixo saber que horas são, veja</span><br />
<span style="color: blue;">Você não pode me deter</span><br />
<span style="color: blue;">Eu me arrebento o dia todo, melhor ir pegar meu cheque</span><br />
<span style="color: blue;"><br /></span><br />
<span style="color: blue;">Essa vai para todas as mulheres</span><br />
<span style="color: blue;">Que estão conseguindo</span><br />
<span style="color: blue;">Alcançando seus objetivos</span><br />
<span style="color: blue;">Para todos os homens que respeitam</span><br />
<span style="color: blue;">O que eu faço</span><br />
<span style="color: blue;">Por favor, aceite meu brilho</span><br />
<span style="color: blue;"><br /></span><br />
<span style="color: blue;">Garoto você sabe que adora</span><br />
<span style="color: blue;">Como somos espertas o bastante para ganhar milhões</span><br />
<span style="color: blue;">Forte o suficiente para lidar com as crianças</span><br />
<span style="color: blue;">E depois voltar aos negócios</span><br />
<br />
<span style="color: blue;">Veja, é melhor não brincar comigo</span><br />
<span style="color: blue;">Oh, venha aqui querido</span><br />
<span style="color: blue;">Espero que você ainda goste de mim</span><br />
<span style="color: blue;">F*, me pague</span><br />
<span style="color: blue;"><br /></span><br />
<span style="color: blue;">Minha persuasão</span><br />
<span style="color: blue;">Pode construir uma nação</span><br />
<span style="color: blue;">Poder infinito</span><br />
<span style="color: blue;">A gente pode devorar o amor</span><br />
<br />
<span style="color: blue;">Você vai fazer qualquer coisa para mim</span><br />
<br />
<span style="color: blue;">Refrão</span><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: black; font-size: large;">Podemos ver o videoclipe como um encenação do que seria aparentemente uma guerra dos sexos, desta vez protagonizados por mulheres negras urbanas que performatizam as disputas pelos espaços de poder entre mulheres e homens. No final do videoclipe, quando ocorre a continência, dá a entender que as mulheres formam um grupo tão organizado quando o dos homens e que, pela altivez, representada pelo corpo esguio e cabeça suspensa, a ideia é fazer com que eles as respeitem também. </span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-83142746401302927062011-08-03T20:58:00.000-07:002011-08-03T21:15:33.081-07:00O Pagode ou a Derrota das Mulheres – Parte II<div style="text-align: right;"><strong><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">“O intelectual encontra-se sempre entre a solidão e o alinhamento” </span></strong></div><div style="text-align: right;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">(Edward Said)</span></div><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Já escrevi uma vez sobre algumas músicas de pagode que desqualificam a mulher e depois do PL da deputada Luiza Maia (PT) sinto-me mais uma vez provocada a participar do debate.</span><br />
</div><span style="font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Tenho escutado e lido a respeito e os argumentos são antigos, velhos conhecidos nossos. Vejamos alguns. Um deles diz respeito <strong>a ferir a liberdade de expressão</strong> ao instituir a censura, mas a democracia não significa ausência de regras, e a liberdade, o seu sustentáculo, garante o direito ao outro de escolher, o que não acontece em nossa sociedade, uma vez que as mulheres pobres e negras da sociedade são apenas valorizadas pelos seus atributos físicos e mais nada. Onde está a escolha? Não é preciso dizer como anda a educação pública em termos de valorização do potencial intelectual e de conscientização dessas mulheres, o que me faz desconfiar de um <strong>livre consentimento delas.</strong> Noam Chomsky em seu livro “O Lucro ou as Pessoas” fala de um consentimento sem consentimento, ao defender a ideia de que as pessoas consentem porque são agraciadas, corrompidas, aliciadas, seduzidas à prática, o que isenta o agressor de qualquer violência (o crítico norte-americano faz referência à mídia principalmente). E é exatamente neste ponto que reside a manobra mais astuta e a face mais cruel da nossa sociedade porque a sedução não agride, ela é suave, vem acompanhada de palavras carinhosas, afetuosas, e vem de um sujeito não tão distante, mas de homens tão pobres e negros quanto as mulheres que se lançam nas pistas de dança para viverem alguns minutos de prazer (já que não existe outro espaço e momento que possa equiparar em intensidade e frequência). O consumo e o afã de enriquecer desconhecem qualquer laço de solidariedade. É a face extrema do individualismo. </span><br />
</div><span style="font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Outro ponto argumentativo dos que defendem este discurso verborrágico misógino é de que tudo é <strong>em nome da brincadeira</strong>, como se isso não fosse uma estratégia para alcançar o gosto das meninas e adolescentes, confundindo-as, tratando-as infantilmente, a fim de transformá-las em parque de diversões dos meninos que se divirtem às suas custas. Há quem diga ainda que as <strong>meninas não são tão inocentes</strong>, mas ponho em dúvida se o excesso de exibicionismo do corpo significa controle ou falta deste, na medida em que a indústria cultural e de entretenimento é <em>expert</em> em transformar os gestos espontâneos da cultura em negócios, que são devolvidos para o povo de forma distorcida. Daí a confusão que causa nas pessoas já que uma parte desta devolução contém elementos que fazem parte da identidade cultural, mas a outra banda podre explora, prostitui e suga toda a beleza e encanto que o gesto popular pode ter, mas que as pessoas não percebem diante da manobra de assimilação. Além disso, o discurso é veiculado por jovens, geralmente oriundos do mesmo estrato social, por isso mais convincente, além de ser revestido de expressões e tons de grande apelo afetivo. </span><br />
</div><span style="font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Outro aspecto relevante é que <strong>qualquer pessoa que se posicione contra o pagode está perseguindo o povo negro e pobre</strong>. Isso é um jogo retórico conhecido, já que opera com a inversão, no sentido de neutralizar o discurso do outro através da universalização. É sabido que o ritmo é contagiante, o que facilita a absorção das letras misóginas, mas sabemos também nem toda música de pagode tem uma letra depreciativa, a exemplo de <em>Açaí Granola</em>, do Sam Hop, <em>Liberar Geral</em>, do Terra Samba, entre outras. Portanto, o discurso da perseguição ao povo negro e pobre não se sustenta. Outro ponto é que <strong>as mulheres brancas e ricas se renderam ao pagode</strong>. Na busca de desvincular o pagode de um gosto específico de pobres e negros, adota-se, mais uma vez, o argumento universalista, aludindo a raça e a classe. As brancas podem gostar e se identificar, até porque tem muita menina branca na periferia, mas ricas, só se for para exorcizar as suas repressões burguesas, encontrando um emplasto para liberarem as suas emoções contidas, mas depois voltam para o seu mundo. </span><br />
</div><span style="font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Outro argumento foi em relação à<strong> musica de duplo sentido</strong>, como traço pertencente à música popular. Disso sabemos, mas o que existe em certas letras de pagode é uma grosseria, não há duplo sentido, já que a explicitação ocorre na coreografia e na letra da música. Onde está o duplo sentido? O povo sabe fazer isso com muita engenhosidade, criatividade, mas como o consumo exige uma produção em larga escala, o que era criatividade poética popular, tornou-se uma avalanche de combinações homonímicas pobres, repetitivas e estereotipadas. </span><br />
</div><span style="font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">É uma pena que uma música tão nossa tenha se tornad</span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">o tão alijada de humanidade porque os lucros transformam meninos ambiciosos em baluartes e porta-vozes daqueles que pouco se incomodam com o que o povo pensa. E as meninas, transbordando vitalidade e vigor, desperdiçam as suas vidas e energia para alimentarem uma indústria que abarrota suas contas bancárias de sonhos cifrados. Sem melhores oportunidades, essas meninas se entregam a alguns instantes de prazer renovados a cada show e patrocinados pelas grandes marcas. </span><br />
</div><span style="font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Outro ponto, mostrado por um programa de TV, destacou, pela sua edição, que <strong>haveria incoerência da deputada baiana ao ter manifestado o seu apreço pelo pagode</strong>, como se fosse uma contradição. O que foi muito tendencioso da emissora, já que a questão não é, a meu ver, uma cruzada contra o pagode, mas reconhecer que algumas letras são, de fato, depreciativas e nós, mulheres, pelo menos algumas de nós, não podemos assistir a tudo isso sem, pelo menos, mostrar a nossa visão, o contraponto. O que eu percebo é um silêncio cínico dos intelectuais em relação a determinadas discussões, principalmente quando se trata da cultura, como se tudo que fosse da cultura fizesse bem ou, pior, como se o intelectual não pudesse interferir no seu curso. É lamentável que alguns intelectuais cometam esse desserviço e apenas descrevam e não critiquem. O resultado disso é uma população acrítica graças a certos doutores que constatam a realidade, mas não a analisam, não a transformam. </span><br />
</div><span style="font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Eu, particularmente, Said, prefiro a solidão. </span><br />
<br />
<br />
<div style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;"><strong>“O que o intelectual deveria menos fazer é atuar para que seu público se sinta bem: o importante é causar embaraço, ser do contra e até mesmo desagradável”</strong></span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">(Edward Said)</span></div></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-90450983354539241182011-07-24T06:23:00.000-07:002011-07-24T06:36:28.742-07:00Amy Jade Winehouse<blockquote><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-o8kt87o37Qo/TiwcT2rWHFI/AAAAAAAABDk/rmerfCvxyN8/s1600/250px-Amy_Winehouse_f4962007_crop.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://3.bp.blogspot.com/-o8kt87o37Qo/TiwcT2rWHFI/AAAAAAAABDk/rmerfCvxyN8/s320/250px-Amy_Winehouse_f4962007_crop.jpg" t$="true" width="224" /></a></div><div style="text-align: justify;"><em>Amy Winehouse nasceu em uma área suburbana de Southgate, bairro de Londres, numa família judia de quatro pessoas, com tradição musical ligada ao jazz. Seu pai, Mitchell Winehouse, era motorista de táxi e sua mãe, Janis, farmacêutica. Amy tem ainda um irmão mais velho, Alex Winehouse. Cresceu em Southgate, onde fez os estudos na Ashmole School.</em> (wikipedia)</div></blockquote><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Ter nascido em setembro já lhe confere uma áura artística, típica dos virginianos. Já a sua intensidade vem da energia do signo que precede, leão. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">A morte da cantora britânica Amy Winehouse nos faz pensar seriamente sobre uma geração de mulheres que transitam pelo meio artístico e também em mulheres que, embora não estejam diante dos holofotes, morrem diariamente por dependência: química, patrimonial, emocional, financeira, psicológica. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Para além de perscrutar as causa da morte da cantora, quase toda ela apontando para o consumo das drogas, o fato é que não se consegue sair de um discurso culpabilizante, moralista e condenatório, enxergando apenas a superfície da questão. Vejo a relação entre talento, mídia, consumo e uma marca que atribuo a uma geração de mulheres, assoladas pela desesperança e pela indignação diante da vida. A morte por drogas é um misto de suicídio e homicídio, já que, em razão de não ser executado por outro, ganha contornos suicidas, mas, se olharmos por outro ângulo, veremos que neste gesto há uma forte participação da sociedade, já que os sujeitos que aqui estão não foram criados em outro planeta. Isso me fez lembrar o romance <strong>Atire em Sofia</strong>, de Sonia Coutinho, 1989, quando a voz narrativa não deixa claro para o leitor a autoria do crime, deixando várias possibilidades, incluindo as instituições sociais.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Em tempos de extremo individualismo, é mais fácil atribuir à morte de Amy a uma atitude que resulta em uma escolha pessoal, um estilo de vida, mas acredito que qualquer dependência seja uma situação muito difícil de sair, porque para ter se chegado a essa situação, a pessoa foi seduzia ou forçada a consumir uma ideia. As ideias não são boas ou ruins em si, mas elas são apresentadas de forma sedutora porque o mundo dos holofotes é muito atraente, o poder, a fama, mas este mesmo mundo que promete luz e glória apresenta a sua face mais perversa, pois quem dá um dia, no outro quer de volta. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Qualquer dependência é perniciosa, seja ela química ou cultural. Não conhecemos nada sobre Amy a não ser que tinha uma linda voz, era talentosa, que consumia drogas e apresentava-se bêbada nos shows. A mídia mostra uma mulher completamente <em>outsider</em>, embora, paradoxalmente, seja essa performance que renda uma fortuna para a mesma sociedade que a execra. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Não tinha chegado aos 30 e já aparentava um desgaste físico, marcando em seu corpo pela dor e pela intensidade, uma extrema vontade de viver e de prazer que só poderia existir metafisicamente. As ideias oferecidas ao consumidor diariamente são pequenos prazeres passageiros, como é tudo na vida, mas nos enganam desde que nascemos com o discurso de um permanente estado de gozo que, obviamente, pela sua inexistência, só poderia atrair tragédias cotidianas.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Eu não conheci Amy, mas a sua história não deve ser muito diferentes de outras mulheres de sua geração e quiçá de outras, de tempos remotos, de mulheres talentosas, mas que, de alguma forma, não conseguem viver neste mundo. </span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-14127919199615081982011-07-14T03:13:00.000-07:002011-07-14T04:53:02.780-07:00O DISCURSO NA MÍDIA - CABELO DE NEYMAR<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-lkLyFtE4qJg/Th7CfxM10DI/AAAAAAAABAU/9G2iTd776dE/s1600/cabeloneymar.png" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" m$="true" src="http://3.bp.blogspot.com/-lkLyFtE4qJg/Th7CfxM10DI/AAAAAAAABAU/9G2iTd776dE/s1600/cabeloneymar.png" /></a></div><span style="font-size: large;"><strong><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;">E</span>mbora não tematize a mulher</strong> (apesar de algumas gostarem do tema), não pude deixar de comentar uma manchete publicada ontem em um jornal de Salvador que trazia mais ou menos o seguinte enunciado sobre o cabelo do jogador de futebol Neymar: <em>nem punk, nem índio, apenas na moda</em>. Aparentemente parece que o enunciador (entidade do texto que diz algo sobre alguém ou alguma coisa) tem o interesse em desvincular a imagem do punk e do índio do estilo capilar de Neymar ao fazer referência ao corte de cabelo em que apenas uma linha central e vertical de aproximadamente dez centímetros, que vai do frontal da cabeça até a nuca, é mantida, tendo as laterais raspadas. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Neste enunciado, ao colocar a moda ao lado do punk e do índio, e ao encadear os três termos intercalados pela estrutura de negação <em>nem...nem</em>, percebi que a moda aparece como se não fosse algo ideologicamente manifesto, ao contrário do punk que se apresenta como movimento estético-político e o corte de cabelo indígena que corresponde a uma etnia, portanto com marca ideológica também. Já quando se fala no cabelo como moda, negando qualquer vínculo com as outras expressões, pressupõem-se de que não há na moda qualquer manifestação interessada: moda é apenas curtição... mas não é. Portanto, o cabelo de Neymar não é <em>apenas</em> moda (embora seja legítimo e compreensível que ele tenha que negar isso publicamente), é também uma afirmação de classe (origem) e, também, étnico-racial. </span><br />
<br />
<div style="text-align: center;"><span style="color: #990000; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;"><em>"É do cabelo à raiz, é da cabeça feliz."</em></span><br />
<div style="text-align: center;"><span style="color: #990000; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;"><em>(Chiclete com Banana)</em></span></div><br />
<br />
</div></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-56332013126160237322011-06-20T17:18:00.000-07:002011-06-20T17:27:35.834-07:00OS ARRANJOS DE GÊNERO NAS CAPAS DE REVISTA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-fP09Km4fAss/Tf_d6M-pMXI/AAAAAAAAA-g/uMCkEqLdtz4/s1600/isto+%25C3%25A9-capas.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" i$="true" src="http://4.bp.blogspot.com/-fP09Km4fAss/Tf_d6M-pMXI/AAAAAAAAA-g/uMCkEqLdtz4/s640/isto+%25C3%25A9-capas.jpg" width="478" /></a></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A capa da Revista Isto É me chamou a atenção para as formas de se organizar os gêneros através das representações, neste caso, por meio de elementos imagísticos. A matéria é sobre o acesso das crianças à tecnologia e ao colocar apenas uma menina em meio a três meninos sugere-se que as mulheres não se interessam por tecnologia ou que não têm acesso a tecnologia. Pode-se ainda sugerir que tecnologia e mulher são conflitantes, o que justificaria a maioria dos modelos mirins serem meninos. Além da invisibilidade quantitativa, podemos ainda perceber que os equipamentos nas mãos dos meninos aparecem perfilados, deixando ver claramente que tipo de aparelho estão usando, ao passo que a menina o carrega como se fosse um caderno, provocando dúvidas quanto ao que está de fato sendo abraçado, observe-se este detalhe: os meninos carregam, a menina abraça. Os meninos foram fotografdos manipulando o equipamento, enquanto que na menina o aparelho aparece alijado dela, embora próximo ao seu corpo. É como se a sua relação com a tecnologia fosse apenas afetiva ou um adorno. Além disso, atentemos para o corpo dos meninos. O maior, aparece em primeiro plano com um notebook. As pernas abertas mostram dinamismo, uma atitude de segurança e controle. Em relação ao vestuário, o primeiro menino está usando uma camisa com um brasão do lado esquerdo e uma numeração do lado direito, já que a sua idade o posiciona em um lugar de transição dacriança para o adolescente, marcando já um traço distintitivo de gênero em relação aos outros meninos. O terceiro menino, que aparece após a menina, está com um equipamento menor e os seus dedos estão em posição de uso, já que o equipamento está aberto, e bebê está entretido com um celular, também manipulando-o. Já o corpo da menina é comedido, verticalmente estático, sem qualquer marca de irreverência. Ela está usando um vestido, símbolo de feminilidade, que é acentuada pela estampa floral. Uma forma de destacá-la como o outro. O corpo foi contido, assim como deve ser contida a sua relação com a tecnologia. O equipamento não está sendo manipulado.</span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-24738330509535579672011-04-27T04:24:00.000-07:002011-04-27T04:43:35.127-07:00A INVENÇÃO DE UM NOVO CONTO DE FADA<blockquote><span style="font-size: large;">Kate será mais discreta que Diana, diz biógrafa.</span></blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="color: blue; font-size: large;">O título da matéria traz em sua constituição um discurso direto, sem aspas e travessão, o que, segundo Fairclough, analista do discurso, acentua a ambigüidade do texto, já que a voz do texto matriz se confunde com a voz do texto atualizado. Apesar de o verbo dicendi marcar o discurso proferido por outro, em um tempo passado, a falta de outras marcas – com as aspas e o travessão – acaba dando a impressão de que o enunciado pertence também à voz do texto jornalístico, gerando ambigüidade quanto ao pertencimento do discurso. Porém, a meu ver, penso que o jornal direciona a sua matéria para a ideia sustentada pelo discurso, já que ele pode selecionar as falas. Essa postura mostra uma adequação ao que se está construindo: a imagem de uma princesa. No entanto, a comparatividade com a princesa Diana e a referência à sua falta de discrição, reatualiza o motivo da sua condenação, atrelando-o ao seu comportamento, ao mesmo tempo em que envolve a nova princesa sob o manto da imaculada. Por outro lado, ser mais discreta não significa necessariamente que se deixe de fazer as coisas, mas que não compartilhe com a imprensa, os olhos e os ouvidos das massas. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A futura princesa britânica Kate Middleton pode vir a ser tão glamourosa quanto Diana, mas há claras diferenças entre as duas. A avaliação é da jornalista Claudia Joseph, autora de "Kate - Nasce uma princesa". "Kate é mais discreta, não vai cortejar a imprensa como Diana fazia. Não veremos a futura princesa em fotografias fazendo ginástica, por exemplo. Ela desempenhará o seu papel de um modo mais consciente e digno de acordo com o seu papel", afirmou Claudia, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. </span></div></blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="color: blue; font-size: large;">Aqui nós temos novamente, por parte do discurso da biógrafa, a desqualificação de Diana e a promoção de uma imagem da nova princesa. Obviamente que, devido ao acontecido à Diana, a nova princesa será regulada pela realeza britânica, o que, pela transcrição da fala da biógrafa, significa aparecer para a imprensa cumprindo a agenda real. Significa que a imprensa só terá acesso ao que puder ser publicável em termos de projeção de uma imagem positiva da princesa. A questão é que os tablóides vivem da especulação da vida privada e não sabemos até que ponto, com tantas tecnologias disponíveis, se isso será possível. Mas a imagem da nova princesa precisa ser construída, ainda que a partir da desqualificação, da negatividade da outra. Vale lembrar que em relação à Lady Di, o moralismo ocidental, que inicialmente tinha construído uma imagem celestial dela, no final, já lhe creditava, de forma velada, a de meretriz.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
<span style="color: blue;"></span></span></div><blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Claudia acredita que outra diferença está na estabilidade da família Middleton. "A princesa Diana viveu o divórcio dos pais, era uma jovem de 20 anos problemática quando se casou com Charles. O casal tinha uma diferença de idade de 12 anos, quase um vácuo entre gerações. Kate se casará aos 29 anos, os noivos têm a mesma idade e pertencem à mesma geração." </span></div></blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="background-color: white; color: blue; font-size: large;">O preconceito estampa o discurso da biógrafa. Os valores burgueses (já que a nova princesa é plebéia) são reforçados e, para esta classe, a unidade familiar, base do discurso burguês, deve lastrear a composição da imagem moralmente intocável da princesa que, como sabemos, não foi ungida por Deus, mas que precisa encontrar um referencial tão nobre quanto e a saída é a família. Mais uma vez, a construção da imagem positiva da nova princesa é feita com base na desqualificação da outra. Se Diana não deu certo foi porque não teve família, Kate tem, é o que diz o discurso. O enunciado reafirma valores burgueses pautados na família e na discrição, isto é, na supressão de uma vida social cotidiana que, paradoxalmente, a aproxime de sua classe de origem. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
<span style="background-color: blue;"></span></span></div><blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Durante o anúncio do casamento com o príncipe William, que ocorrerá na sexta-feira (dia 29), Kate fez questão de dizer que a mãe de William, a princesa Diana, "sempre foi uma inspiração". </span></div></blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="color: blue; font-size: large;">Aqui há um paradoxo, mas com o intuito de recompor a imagem positiva já internalizada pelas massas de Diana, já que era bastante querida e aceita pela população em geral. Assim, a matéria conclui “apagando” o que construiu anteriormente, uma imagem negativa de Diana, através da seleção das falas da biógrafa, e encerra de forma contraditória, sugerindo, conscientemente ou não, um conflito no plano da significação, entre o já internalizado, uma imagem positiva de Lady Di, e o que reaparece na forma comparativa com a nova princesa, a sua negatividade. Pode ainda ser considerada uma forma estratégica de evitar um posicionamento do jornal, evitando se colocar numa situação de polarização ou, ainda, tentando passar essa ideia para o leitor. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
<span style="color: blue;"></span></span></div><blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A biografia foi publicada originalmente em 2009. O projeto começou com uma reportagem para o The Mail on Sunday. Com o incentivo de seu editor, ampliou a pesquisa e transformou-a no livro, lançado no Brasil este ano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. </span></div></blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="color: blue; font-size: large;">O último parágrafo tem um tom informativo, como se neutro, sugerindo o mesmo para o restante do texto desenvolvido. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-size: large;">A matéria acima foi publicada no site: </span><a href="http://www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=5715162"><span style="font-size: large;">http://www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=5715162</span></a></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-68331358357951650762011-03-11T04:04:00.000-08:002011-03-11T04:16:31.161-08:00MULHER MARAVILHA, NÃO FUJA!<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><span style="font-size: large;"><em>LIGA DA JUSTIÇA</em></span><br />
<span style="font-size: large;"><em>LEVA NÓIZ</em></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><em>"É melhor chamarmos os outros Super-Amigos antes que chegue toda a Legião do mal."</em></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><em>Super-Man ficou fraco,</em></span><br />
<span style="font-size: large;"><em>O Pingüim jogou criptonita</em></span><br />
<span style="font-size: large;"><em>Lex Luthor e Coringa roubou laço da Mulher Maravilha (2x)</em></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><em>Liga da Justiça toda dominada,</em></span><br />
<span style="font-size: large;"><em>Agora só tem uma saída!</em></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><em>Foge! Foge Mulher Maravilha!</em></span><br />
<span style="font-size: large;"><em>Foge! Foge! Com Super-Man. (8x)</em></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><em>Você é minha Maravilha e eu sou seu Super-Man,</em></span><br />
<span style="font-size: large;"><em>No swing aqui do Leva eu quero ver você meu bem! (2x)</em></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><em>Liga da Justiça toda dominada,</em></span><br />
<span style="font-size: large;"><em>Agora só tem uma saída!</em></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><em>Foge! Foge Mulher Maravilha</em></span><br />
<span style="font-size: large;"><em>Foge! Foge! Com Super-Man. (8x)</em></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><em>Super amigos, Salvador City! (4x)</em></span><br />
<span style="font-size: large;"><br />
</span></span><span style="font-size: large;">A música Liga da Justiça foi uma das mais tocadas durante o Carnaval baiano e o seu sucesso deve-se, a meu ver, a um conjunto de elementos que agrada as pessoas, de um modo geral. Para começar, existe uma referência às personagens conhecidas das crianças, adolescentes e adultos (que já passaram pela fase) através das revistas em quadrinhos, animações e filmes. Os super-heróis pertencem a um domínio coletivo graças aos meios de comunicação de massa e ao poder que esses personagens possuem, como: voar, ter força física, ler pensamentos, enfim, poderes sobrehumanos em geral. No entanto, os super-heróis trazem, sobretudo, uma ideologia que consiste em, numa visão maniqueísta, dominar o “mal”, fazendo a justiça (aos olhos de quem?) com base em um discurso moralmente ético, que envolve valores como a amizade, a união, entre outras, de grande importância para as pessoas. No entanto, a música, longe de romper com esses valores (e não era para fazê-lo mesmo, dado ao contexto: carnaval, alegria, união), ratifica-os, mas desloca o locus discursivo: do lugar do opressor para o oprimido (para citar Freire). Em outras palavras, reconhece o domínio e controle da sociedade pelos “vilões”, os que estão à margem, os que, embora inteligentes, criativos, foram relegados pelo sistema. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Um segundo aspecto sedutor, refere-se à ludicidade. Além da popularidade do pagode na cultura baiana, a letra permite uma performatividade que envolve coreografia, o uso de fantasias, maquiagem, e é de fácil assimilação. O refrão é repetido várias vezes (o portal do Terra, informa 8 vezes). </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">O último verso: “Super amigos, Salvador City”, solto e ambíguo, ora parece fazer alusão aos vilões (super amigos entre eles) ora aos membros da Liga da Justiça, foragidos (também super amigos entre eles). Há novamente uma referência à inversão: quem está foragido não é mais o “vilão”, mas os “heróis”. Salvador City alude a Gotham City, sendo que, Salvador está sob o controle de Lex Luthor e Curinga. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Outro enunciado ambíguo é o que aparece logo início: "É melhor chamarmos os outros Super-Amigos antes que chegue toda a Legião do mal." Aparentemente, parece estar se referindo aos outros super-heróis, mas quando voltei o olhos para o restante da música, retomei o enunciado e percebi que houve uma desacomodação no plano da significação, dos sentidos. Quem são os amigos e quem é a Legião do mal? Uma questão de perspectiva mais uma vez.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Mas, é inconteste que a Mulher Maravilha teve um destaque na música, visto que é endereçado a elas. Afinal, o conselho para fugir com o super man, já não tão super assim, é para a mulher maravilha, menos maravilhosa. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Vimos que a Liga da Justiça parece representar os heróis como a voz da instituição, enquanto os outros, que ficam à margem, seriam os vilões, os subtraídos pela probreza. Na música os vilões vencem (de certa forma os moradores da periferia se vêem numa posição de confronto com o sistema). Se por um lado, eles põem em xeque o poder dos heróis, por outro eles confirmam o poder do homem, já que cabe à mulher maravilha fugir com o super homem, mesmo ele tão desempoderado quanto ela, o que significa dizer que mesmo nas mesmas condições frente a uma dada dimensão, em outra, a de gênero, ele prevalece. Previsível, pois é ele quem conta a história. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A SOLUÇÃO para a mulher diante do perigo é fugir... mas tem que ser com um homem. A música, neste aspecto, é antifeminista não porque o homem se faz presente, mas porque atrela a mulher a uma dependência ao homem. Além de mostrar uma mulher acovardada, ela, frente ao homem, aparece duplamente enfraquecida e vulnerável, por ser uma representante do sistema e por ser mulher. Os “vilões” que aparecem na música são todos homens.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Bem, isso nos faz pensar em muitas coisas, como, por exemplo, de ouvir as mulheres enquanto sujeitos do discurso. Porém, uma pergunta se faz: na atitude responsiva, ela já não estaria formulando um discurso? Sim, mas, não consigo enxergar uma proposta discursiva na área artística, no âmbito da composição, da criação, que possa minar com o que está posto, sem criar uma situação difícil para a mulher. Vejo que, neste sentido, parece que a mulher continua atrelada aos esquemas e com muita dificuldade em viver de outra forma, de dizer outra coisa, que não faça parte do estabelecido. A pergunta que me faço é se, tendo a voz, os meios, ainda assim, as mulheres não estariam dizendo as mesmas coisas que eles, em outras palavras, reproduzindo a imagem distorcida das mulheres que chega para elas através de uma apropriação indevida.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Assisti a alguns desfiles das escolas do Rio de Janeiro e pude ver claramente como o poder fica concentrado nos homens. Puxadora de samba? Composição do samba-enredo de autoria feminina? Não existe. Apenas o Salgueiro é presidido por uma mulher. </span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-10141280919863502152010-12-03T05:17:00.000-08:002010-12-03T05:41:37.826-08:00"PORRA", UMA AGRESSÃO DE GÊNERO<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Estava prestes a encerrar as minhas navegações na internet nesta manhã quando me deparei com uma matéria jornalística do Correio da Bahia que informava da proibição da SUCOM dos outdoors que anunciavam a nova música do cantor Tomate. O título da música: <strong>"Eu te amo porra"</strong> e na sequência um subtexto <strong>"você vai amar essa música".</strong> Vejamos alguns enunciados:</span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="background-color: #d9ead3; font-size: large;">a) <strong>"Censuraram todos os meus outdoors da música 'eu te amo porra' aqui em Salvador. <em>Quem não fala porra???</em> Hipocrisia"</strong> (o cantor). Aqui existe a tentativa de persuadir pelo quantitativo (ver ´Tópica de Aristóteles), já que é o objeto em questão é aceito por todos (universalização sugerida por uma pergunta e não como uma afirmativa, portanto indireta), então é válido. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="background-color: #d9ead3;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="background-color: #d9ead3; font-size: large;">b) <strong>"Por que tirar o 'porra' se é tão natural em Salvador? No contexto da música, se referia a uma expressão de amor. Não ficamos felizes com essa decisão." </strong>(Empresário). Neste enunciado, recursos como o apelo a identificação geográfico-cultural, assim como a associação do objeto em questão ao sentimento amoroso, aparecem para reforçar o caráter universalizante e afetivo. Vale mencionar que a <em>indústria do amor romântico</em> (expressão minha) é que mais vende. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="background-color: #d9ead3;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="background-color: #d9ead3; font-size: large;">c) <strong>"Há pouco tempo, na Paralela, tinha um outdoor escrito 'Baêa Minha Porra' e não foi censurado. Por que será?"</strong> (Empresário). Mostrar a ocorrência em outras situações em que o tratamento ao objeto tenha sido outro, serve para minar o argumento primeiro, já que pelo princípio da equidade, o tratamento dever ser igual pra todos. É um argumento que vai ao encontro dos valores como a justiça, igualdade, solidariedade que lastreiam a cultura ocidental. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="background-color: #d9ead3;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="background-color: #d9ead3; font-size: large;">d) Decreto de Publicidade – Lei 12.392/99, Artigo 15, Inciso IV –, que <strong>proíbe a colocação de qualquer meio ou exibição de anúncio</strong>, seja qual for a sua finalidade, forma ou composição <strong>“quando considerado atentatório, em linguagem ou alegoria, à moral pública e aos bons costumes”. </strong>(Órgão) Argumento via legislação também encontra guarida em nossa cultura que reivindica a legislação para a manutenção da ordem. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Os argumentos são todos plausíveis. No entanto, a questão que suscito neste momento é em relação ao que pode ser substituído pelo vocativo "porra", cuja expressão aparece, por sinal, sem a vírgula que caracteriza o vocativo, o chamado. O enunciado seria: Eu te amo, porra. Assim, a questão é identificar quem chama quem? De que forma?</span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Antes de responder, vejamos algumas definições para a palavra "porra": <em>1) é o fluido orgânico produzido pelos machos de muitas espécies de animais para transportar os espermatozóides até o local de fertilização na fêmea; 2) Porrete, porra, clava ou bastão é um tipo de taco ou bastão, mais grosso numa das extremidades e geralmente feito de algum material sólido - podendo ser de madeira, pedra, ou metal - normalmente utilizado para fins de necessária força física ou em batalhas de estilo corpo-a-corpo, em especial pelas forças policiais. </em></span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Pelas definições acima, percebemos que "porra" faz parte de um campo semântico masculino, portanto guarda em seu sentido uma referência aos homens. Neste sentido, "porra" poderia ser, por relação paradigmática, substituído por homem ou por um nome de homem. Alguém chama um homem e diz que o ama. Porém, o uso cotidiano da palavra em diferente situações diluiu o seu sentido original, mas manteve o sentido que a associa a violência fálica. Deste modo, "porra" pode estar se referindo a uma mulher (dentro de um código heteronormativo), principalmente porque o contexto nos informa que se trata de uma declaração de amor. Existem contradições no enunciado que apontam para os conflitos de gênero. <em>Como se pode amar com tanta violência e agressão? Será que os homens não sabem mais expressar seus sentimentos sem violência, sem agredir a mulher? Como as mulheres se veem nesta confusão em que aparecem "valorizadas" como objeto de desejo,através da inscrição "eu te amo", mas ao mesmo tempo desqualificadas pela expressão "porra" (se é que percebem esse detalhe)? Elas tendem a se identificar ou rejeitar? Qual o poder de um enunciado quando ele é proferido por um artista que é admirado por um público em formação como o adolescente? Se tudo que há nele, elas gostam, como não aderir a esse "chamado"? Esse enunciado não corrobora para uma aceitação da violência física, através dao raciocínio: ele me agride, mas me ama? </em></span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Assim, para além das questões morais, vejo o enunciado com extrema violência às mulheres e, por isso, considero-o machista, sexista. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><a href="http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-1/artigo/eu-te-amo-porra-empresario-de-tomate-critica-decisao-da-sucom/">http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-1/artigo/eu-te-amo-porra-empresario-de-tomate-critica-decisao-da-sucom/</a>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-78911553569653929012010-11-26T15:06:00.000-08:002010-11-28T06:27:22.527-08:00O PENTE: METÁFORA DA MODERNIDADE: Uma leitura sob o viés de gênero e raça<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/_aX2slfqT5S0/TPA9b2g-v6I/AAAAAAAAA3A/XHga46o41wE/s1600/rosto-perfil2.png" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" ox="true" src="http://3.bp.blogspot.com/_aX2slfqT5S0/TPA9b2g-v6I/AAAAAAAAA3A/XHga46o41wE/s1600/rosto-perfil2.png" /></a></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A nossa memória cultural está repleta de narrativas que evocam simbologias e sentidos, muitas vezes tendo <em>um simples objeto</em> como texto. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">O pente é um desses utensílios de grande simbologia, portanto crivado de valor, de ideologia de classe. O pente, um antigo artefato cultural vinculado a aparência, à sedução, é em diferentes culturas e épocas associado à mulher. À guisa de ilustração, na literatura oral brasileira, Iara Mãe-D'água é vista no rio penteando os cabelos com um pente de ouro. Já em Portugal, as mouras encantadas exerciam o seu poder de sedução através de uma imagem emblemática, penteando-se à beira do rio também com um pente de ouro, aqui visivelmente versões de uma mesma lenda. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Na modernidade, outros significados - igualmente mitificados - sobre esse objeto foram sendo adicionados, já que o cabelo sempre foi um elemento muito marcante na identificação de um grupo social. Quem não se lembra das perucas brancas francesas usadas pela monarquia? Ou dos penteados das mulheres vitorianas? Ou ainda do estilo black power dos anos 70? O cabelo era (é) uma linguagem não-verbal que dizia (diz) muito sobre a classe social, a etnia, gênero, idade, entre outros. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">O pente, na visão moderna, é retextualizado para dar conta da ideologia da classe burguesa, ao promover </span><span style="font-size: large;">os hábitos citadinos e uma estética que projetasse os ideais desta classe representada na figura dos cabelos desembaraçados, mas, também “arrumados”, esticados, lisos. Nas canções populares no Brasil, as quais apresento mais adiante, o pente é destacado referindo-se à mulher negra, envernizado por um discurso de beleza que funciona como ferramenta ideológica de um discurso hegemônico, articulando o seu uso à civilidade, leia-se um conjunto de regras sociais e de comportamento que proporcionava uma sensação de pertencimento a um grupo social de prestígio, daí a valorização deste objeto na veiculação de uma estética construída pelo discurso hegemônico. Assim, o pente aparece como elemento disciplinador, homogeneizador, que tenta criar um padrão de beleza, instituindo como valor e prestígio o cabelo liso ou liso-ondulado. </span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">No homem, a estética da modernidade em relação ao cabelo é representado pelo corte e pela ausência de barba e bigode, este com mais adesão entre os jovens solteiros do que entre os mais velhos e casados. De qualquer sorte, a barba e o bigode deveriam estar aparados, mas mantidos devido ao traço distintivo de masculinidade e de mudança de um status social. O cuidado com bigode e barba eram exigidos distinguindo o homem civilizado do “bárbaro” representado como cabeludo. O cabelo curto, nos homens, passou a ser um traço de civilidade, de modernidade, de classe social. Em relação à mulher, o corte, anos depois, foi uma explosão comportamental, já que era visto como símbolo do homem. A imagem da mulher moderna com cabelos curtos sofre resistência cultural porque os cabelos longos e lisos são valorizados como marcas de feminilidade, de sedução, de virgindade, haja vista as lendas das mulheres que seduziam os homens através do gesto de pentear seus longos cabelos. Em termos de textura, o cabelo da índia e da branca tem em comum serem lisos, correspondendo assim ao imaginário de sedução construído pelo ocidente atrelado ao cabelo liso. Já em relação à mulher negra, essa imagem não consegue ser justaposta a menos que houvesse um meio que a fizesse se aproximar do padrão de beleza europeu. O pensamento da modernidade é estruturado com base em um discurso hegemônico que tende a apagar a diferença por meio do discurso da igualdade, sendo que o paradigma estético é determinado a partir de uma estética particular, neste caso branca. Em relação ao cabelo liso e longo, essa imagem passa por um processo de valorização e afirmação, contrapondo-se ao cabelo curto e crespo. Ainda hoje, a imagem de feminilidade perpassa por esta estética, vide as propagandas de xampus que espetacularizam esse modelo de beleza feminina. <em>A</em> beleza feminina, escrita com o artigo definido feminino, corresponde a uma beleza em particular que se pretende universal. Por esse processo de universalização, o discurso hegemônico buscou pautar-se e se fortalecer escamoteando a sua ideologia de classe. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Mário Varela Gomes, em estudo sobre a iconografia na Europa, fala da presença do pente nos sepulcros femininos, além do espelho e da espada. O pente, segundo o estudioso, foi um objeto de adorno entre os egípcios e gregos e, embora não tenha encontrado no Google um artigo mais relacionado a um viés de gênero e etnia, posso dizer que, apesar do pente ser uma invenção antiga, o seu uso na modernidade, em um país colonizado como o nosso, precisa ser relacionado às circunstâncias de uso. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Assim, o pente na modernidade passa por um processo de ressignificação e, considerando o propósito da classe dominante de branqueamento, pentear o cabelo ou alisá-lo consiste em um ato de tornar o outro o mesmo. A partir de um discurso de igualdade, de inclusão, exclui-se o diferente, a outra cultura, os outros traços. A igualdade, a civilidade e o desenvolvimento carregam em seu sentido histórico uma ideologia de classe que circula não apenas nas esferas políticas e econômicas, mas na cotidianidade, nas relações e nos comportamentos, até porque essas esferas não existem separadas umas das outras, mas imbricadas. O projeto de modernização consistia em adequar todos os membros da sociedade, sob todos os aspectos, às normas de onde partia o sentido de civilidade e fazer com que os outros países entrassem numa esquizofrênica busca pela identificação com quem tinha o lugar de prestígio social, tendo como paradigma os valores estéticos de visão etnocêntrica, basicamente produzidos na França e Inglaterra nos séculos XIX e início do XX, com o apoio das revistas femininas que eram inicialmente publicadas para as mulheres da elite brasileira, mas que no decorrer dos anos foram sendo direcionadas para as camadas mais populares em nome de um projeto de radical transformação social e cultural. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Nesse processo de modernização, as mulheres são educadas para atenderem ao projeto burguês. As mulheres modernas eram aquelas que aceitavam e faziam parte das regras sociais que a cultura hegemônica estabelecia, elegendo os valores de classe como os valores que proporcionavam aceitação, sentido de pertencimento, felicidade, alegria e realização, independente de as mulheres serem brancas ou não. Elas serão disciplinadas a seguirem um padrão de comportamento e de beleza que, sem dúvida, para a mulher negra provocará efeitos conflitantes entre a imagem que elas têm e o que é valorizado pela cultura que se pretende hegemônica. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Na música popular brasileira, o pente, quando se refere à mulher negra, não tem um sentido de adorno, mas de obstáculo, de conflito. Ele aparece como objeto de distinção e aculturação:<em> "nega do cabelo duro que não gosta de pentear" </em>(Fricote, de Luiz Caldas/Paulinho Camafeu, 1984), <em>"Nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia?" </em>(Nega do cabelo duro, de David Nasser/Rubens Soares, 1942). Nos primeiros versos da música <em>Fricote</em>, uma voz do texto, o homem negro e da classe popular, constata uma particularização, que chama a sua atenção, expressa na estética de uma mulher negra que, na sua visão, "não gosta de pentear" os cabelos. O verbo gostar em sua origem latina significa saborear, sentir prazer, achar bom gosto e que no sentido figurado corresponde a uma experiência afetiva, de amizade, ou seja, perpassa por uma aproximação e identificação. Se gostar evoca esses sentidos, podemos dizer que a mulher negra não penteia os cabelos porque, obviamente dói, e a dor é uma experiência sensorial desagradável (mas que pode ser sentida também devido a uma violência simbólica). A dor, a menos que o sujeito seja masoquista, não é agradável e por isso impede a identificação, a confluência, o prazer. O pente, como nós conhecemos, objeto dentado usado por mulheres cujos cabelos são lisos, é objeto de violência, de dor, de agressão para as mulheres de cabelos crespos. As mulheres negras traduzem a sua resistência à cultura hegemônica branca resistindo ao uso de seus objetos e que na música é mostrada através de um “não gostar”, assumindo uma outra estética e minando uma tentativa de univocidade cultural, um único registro de padrão estético. </span><br />
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<span style="font-size: large;">No entanto, a letra da música traz enunciados que desqualificam esta mulher que não quer alisar os cabelos, ordená-los, pelo fato de ser mulher, levando-a a se deparar com duas resistências: <em>a étnico-racial e a de sexo e gênero. </em>Além de ter que sustentar a sua auto-estima no que se refere aos seus traços étnico-raciais, a mulher que passa pela rua precisa ainda defender-se do sexismo cotidiano, pelo simples fato de estar exposta ao outro que se vê no direito de molestá-la. A rua é um território marcado pelo homem como constituinte de sua identidade, que não só pretende dominar o espaço, como também o que nele passa.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Em um dos versos da música, quando é cantada, aparece a palavra "olha" (Olha a nêga do cabelo duro). A presença quase imperceptível dessa palavra ressalta não apenas um sujeito que apreende o objeto em seu campo visual, mas que também aponta para outros, reforçando a sua autoridade e, também, a cumplicidade de gênero. Ao se referir à mulher que passa, o eu-masculino não apenas convoca os outros homens que formam o coro na música, mas aos que estão ouvindo a música, ampliando o seu círculo de significação compartilhada de gênero. A referência ao cabelo duro "que não gosta de pentear" é uma atualização do discurso hegemônico que, a meu ver, não subverte o status da mulher negra e pobre, inclusive por se apropriar de um adjetivo pejorativo "duro" usado em oposição ao liso pela cultura hegemônica, no lugar de crespo. A mulher negra é apontada na rua pelo fato de ser mulher e não pentear os cabelos, fato que, para o olhar do homem, a torna acessível. Além do preconceito étnico-racial e de gênero, o fato de morar na Baixa do Tubo, bairro da periferia de Salvador, acrescenta à mulher um outro componente identitário ao qual precisa também superar, já que a desqualificação se dá na composição da tríade identitária - raça/etnia, gênero/sexo e classe social. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Do ponto de vista de gênero, a posição da mulher é a de objeto fetichizado porque é o homem que olha a mulher como objeto de desejo e a maneira de ele encontrar o sentido disso é recorrendo ao que a sociedade estabeleceu como sendo atributos do homem, como por exemplo, colocar o outro dentro do seu campo de visão, que ao longo do texto se materializa por meio de uma linguagem que se impõe como poder em relação à mulher, na expressão "pega ela aí”, enunciada em um espaço público - estabelecido como sendo masculino - por meio do coro de homens – acentuando a violência já que reforçada pela referência quantitativa. A mulher que passa na rua para ser diminuída e dominada precisa ser atacada de todas as formas, no que é mais precioso no ser humano: a sua identidade. Na música, entrecruzam-se pelo menos três expressões identitárias: a de gênero, a étnica-racial e a de classe:</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Pega ela aí!</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Pra quê!</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Pra passar batom </span></div></blockquote><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A masculinidade se forma a partir da relação de poder com o outro - a feminilidade - que se instituiu em nossa sociedade de forma paradigmática por meio de forte representação etnocêntrica e androcêntrica. Que modelo de feminino esse homem internalizou? Por que passar nessa mulher batom? Que possíveis sentidos envolvem a palavra batom? Por que pentear os seus cabelos? Ao se dirigir à mulher negra quando a sua masculinidade está ameaçada pelo desempoderamento, sobretudo econômico, o homem negro da periferia precisa afirmar o seu poder via a identidade de gênero, da masculinidade, mas que acaba afetando a mulher como um todo, isto é, enquanto a sua igual sob o aspecto de raça e de classe. Estas marcas são desconsideradas porque o que os distinguem é o sexo, o gênero, por meio do qual o homem negro e da classe popular tentará impor o seu poder. A expressão "pega ela aí" sugere força, é um enunciado injuntivo, imperativo (pega = pegue), que contém autoridade e impositividade. Que autoridade é essa? </span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-14649430768940386672010-11-20T06:46:00.000-08:002010-11-20T06:46:59.836-08:00O FIM DO PATRIARCADO?<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Uma certa propaganda do cereal Mucilon me chamou a atenção. Trazia uma mulher de mais ou menos 30 anos, de classe média que chega da rua reunindo os brinquedos do filho espalhados pelo chão. Tal atitude do filho se deve ao efeito do cereal. O que me chamou a atenção, muito mais do que as palavras proferidas pela personagem, foi a ausência da empregada doméstica ou babá, presença constante nas famílias de classe média. Desconheço uma família, hoje, dessa classe, que não se sustente com a presença de uma empregada doméstica e/ou babá. Diria que, devido a estrutura social de classe e a herança escravocrata que herdamos, é impossível que uma família hoje se mantenha sem a presença da empregada e/ou babá. Certamente, se não fosse isso, as famílias nucleares já teriam sido extintas, a menos que uma revolução nas relações de gênero acontecesse e uma profunda mudança nas relações de classe e raça se efetivasse. Essas relações aparecem intrincadas em nossa cultura e o patriarcado é a resposta. Essas relações existem porque o patriarcado se alimenta dela e quem sustenta esse modelo é cúmplice e mantenedor dessa arcaica estrutura. </span></div><span style="font-size: large;"><br />
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<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Mas a que se deve a ausência da empregada? Por que o interdito? O que se passou na mente de quem sugeriu a omissão, a que classe social pertence ou está a serviço? Que mal estar poderia haver em mostrar uma babá ou empregada doméstica na propaganda? O que não deve ser registrado, mostrado para a telespectadora? Que efeito poderia causar, caso fosse mostrado uma situação mais próxima da realidade? </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Os analistas do discurso costumam dizer que mais importante do que é dito é aquilo que não é dito. De fato, o discurso possui, pelo menos, duas dimensões - presença ( o que é escrito ou falado, materializado na língua) e ausência ( o que não foi escrito ou falado, mas está presente no discurso, embora não materializado). Por exemplo, quando digo "eu prefiro salgados", estou dizendo também que não prefiro doces. Na propaganda, a ausência da empregada ou babá disse mais do que a presença da mãe porque na nossa cultura, na realidade em que vivemos, as relações de gênero tem se mantido graças a presença da empregada doméstica. Sem esta figura, uma dona de casa não chegaria tão "fresca" e alegre em casa, catando os brinquedos pela casa depois de um dia extenuante de trabalho. </span></div><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">O texto publicitário oferece alguns indícios no sentido de veicular a idéia de dupla jornada da mulher, mesmo que não esteja muito claro, já que a personagem entra em cena apenas fechando/batendo uma porta, sugerindo que ela estava fora de casa e que ao chegar naquele momento, se deparou com os brinquedos espalhados pela casa. Na realidade, a dupla jornada da mulher de classe média sempre foi atenuada pela presença das empregadas domésticas e babás. A mulher pobre, sim, realiza a, dupla, tripla, jornada, muito embora receba apoio de familiares, vizinhos, raras vezes creches, quando necessita trabalhar. </span></div><span style="font-size: large;"><br />
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<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A cena só caberia em uma cultura ou sociedade não escravocrata, mas em se tratando de Brasil e, mais ainda de Bahia, essa realidade "moderna", da mulher que assume a casa, parece soar no mínimo estranho. A cena não mostra se a personagem realmente estava no trabalho, embora apresente ela em movimento, chegando de algum lugar fora da casa, de qualquer sorte, estava em outro espaço. Não é comum nas famílias de classe média a ausência da empregada ou babá, ao contrário são presenças significativas, chegando a algumas casas possuírem as duas ou até mais.</span></div><span style="font-size: large;"><br />
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<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Essa omissão parece causar um desconforto em quem quis veicular a propaganda, não querendo associar relações tão arcaicas, patriarcais e escravocratas, a um modelo de sociedade moderna (ou pós-moderna?!). O que vemos então? Como acontecia no século XIX, o esforço em colocar o Brasil no compasso da modernidade, através de um modelo de sociedade urbana, que incluía não apenas uma reforma na cidade, mas de comportamento, consistia em eliminar a escravidão, pelo menos oficialmente, por lei, e discursivamente, por conveniência a um projeto de sociedade moderna. Ora a presença da escravidão era impedimento para uma sociedade que se pretendia republicana e moderna, como propagavam os atores da revolução burguesa. Contudo as idéias da revolução não mudaram o alicerce nem da sociedade de origem, e muito menos daquelas que as adotaram. O Estado oficializou a mudança, primeiro com a abolição da escravatura, por causa de razões políticas e econômicas, em seguida com a instauração da República. Contudo, o cotidiano dizia outra coisa, as tensões e os interesse de classe tentavam sustentar os privilégios, tentando ajustar-se aos novos ventos, mas sem alterar drasticamente o status social de cada um. Ninguém tinha interesse de abrir mão dos privilégios, mas sabiam que as mudanças eram inevitáveis. Mesmo assim, tentaram se manter nos lugares de poder, ajustando-se aos novos ideais. </span></div><span style="font-size: large;"><br />
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<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">O que vemos na propaganda no século XXI é a mesma estratégia que há séculos vigora: excluir a presença de qualquer resquício que ponha em questão a imagem de um país moderno. Portanto, a propaganda não poderia expor a presença da empregada doméstica porque seria o mesmo que admitir a presença de uma escravidão, ainda que disfarçada. </span></div><span style="font-size: large;"><br />
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<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Do ponto de vista feminista, existe uma outra questão: a mulher de classe média, para manter os privilégios de classe, acaba sustentando um traço da ideologia patriarcal, ao aceitar que o homem não divida a responsabilidade da casa com ela e a saída encontrada por ambos está na empregada doméstica. Nesse sentido, os interesses de classe sobrepõe-se a qualquer outro interesse, inclusive o de gênero. A cumplicidade da mulher, esposa, em relação ao homem, marido, se dá para manutenção do status social e mina qualquer outro vínculo ideológico possível. </span></div><span style="font-size: large;"><br />
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<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A presença da escravidão nas famílias, na figura da empregada doméstica, em sua ampla maioria negras, sustenta as históricas relações patriarcais escravocratas porque em nossa sociedade a opressão e a subordinação da mulher não acontece apenas em relação ao homem, mas a depender, também por outra mulher, de classe diferente.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Se considerarmos a ausência da empregada ou da babá, será que a mulher de classe média, esposa e mãe, conseguiria desempenhar essa dupla ou tripla jornada? Das duas uma: ou ela chegaria a uma completa estafa (acompanhada ou não de morte física) ou o marido teria que ajudar em casa nas tarefas domésticas. Como a mulher de classe média não quer morrer, mas também não quer perder o marido, resolve ajustar-se ao velho código e manter a estrutura patriarcal escravocrata.</span></div><span style="font-size: large;"><br />
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<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A propaganda é exemplar nisso porque ela não representa o que de fato existe nas relações sociais. Ela cumpre o papel ideológico ao omitir as relações de classe, gênero e raça na sociedade. De classe porque torna invisível a presença da empregada, lugar constitutivo da manutenção de ordem social secular, nas relações sociais no Brasil, sobretudo na Bahia, de onde parte o olhar de quem escreve esse texto. De gênero porque apresenta a sustentação dos papéis sociais - ainda que a mulher venha de fora, é ela quem cuida da arrumação da casa e da alimentação do filho. De raça porque, em se tratando da Bahia, a maioria das empregadas é negra, uma herança da escravidão que se mantém em culturas mais conservadoras, como a Bahia, historicamente fundada nas relações patriarcais e escravocratas. </span></div><span style="font-size: large;"><br />
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<div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;">A propaganda esconde, portanto, através do que não é dito, o lastro patriarcal que sustenta as relações de classe, gênero e raça no Brasil e na Bahia. Apesar de não estar no texto, está dito que o patriarcado ainda vive na forma de opressão da mulher, seja na figura de esposa e mãe, seja na figura da empregada doméstica, enfim que a mulher de classe média não se emancipou e atrela outras mulheres ao seu processo de alienação. </span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-6515738527674317692010-11-14T15:24:00.000-08:002010-11-14T15:27:01.362-08:00REVISTAS "FEMININAS"<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Há muito tempo venho acompanhando as revistas expostas nas bancas de revista e as suas capas, atenta aos discursos difundidos pelos meios de comunicação, através das combinações de diversas linguagens. Seguindo as minhas inquietações, me deparei com um conjunto de revistas em uma banca localizada na rodoviária de Salvador, que custa entre R$1,99 a R$3,90 direcionada a um público feminino de menor poder aquisitivo, muito embora possa ser lido por qualquer pessoa. </span><br />
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<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Interessei-me imediatamente pelos textos exibidos neste espaço da revista, a fachada, o chamariz, observando la ênfase temática, a sutileza das ambigüidades e a ideologia ancorada nas imagens e palavras. A violência chega rapidamente aos olhos no arcabouço da linguagem e nos assuntos escolhidos para alcançar um público cada vez mais atado às representações de feminilidade, afinando as exigências de uma ordem social burguesa às necessidades materiais e espirituais da classe social economicamente pobre. Para a burguesia, a família nuclear aparece como pedra angular desta ordem, por isso intocável. Do século XVIII até hoje ela permanece, embora com outras configurações. Remetendo às palavras de Eni Orlandi, quando menciona a coexistência de traços permanentes e transformados nos discursos, penso que, em se tratando de organização social, a ordem familiar burguesa aparece como o traço permanente na estrutura da sociedade ocidental, apesar das alterações que ela mesma abriga, sem com isso ameaçar a sua existência. A relação entre a mulher e família, assim como a mulher e sexo, permeia os discursos do ocidente, em diferentes áreas: científicas, literárias, artísticas, midiáticas, dentre outras. </span><br />
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<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"></span></span><br />
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif; font-size: large;">A guisa de reflexão, tratarei da capa da <strong>Revista Super Prática</strong> - sua vida muito mais prática - , ano I, nº 01, que traz do lado direito a atriz Susana Vieira com o seguinte texto: <strong>"A Maria do Carmo de Senhora do destino: cada vez mais linda"</strong> e mais "<strong>Como ficar bonita: a estrela Susana Vieira dá a receita de beleza".</strong> Logo mais abaixo, a promoção estampa: <strong>"leve 3 pague 1: você nunca pagou tão pouco por tanto conteúdo!"</strong> E mais embaixo: "<strong>Revista + Encarte de sexo + cadernão de receitas".</strong> Ao lado esquerdo, na parte de cima, um texto dentro de uma seta garante: <strong>"acabe com suas dúvidas sobre sexo - revista brinde grátis".</strong> Seguindo abaixo, a leitora encontra as seguintes orientações: <strong>"Visual nota 10, rosto sem rugas, roupas da moda, cortes de cabelo",</strong> continuando em direção ao pé da página, a revista indica os seguintes rumos: <strong>"sua casa em ordem: troque o gás você mesma, economiza água e energia, guia de faxina, acabe com as baratas".</strong> Por último, com a seguinte chamada "E MAIS", foram inscritos cuidados e macetes: <strong>"elimine manchas, cuide de sua segurança, como dar nó em gravatas, monte seu próprio colar". </strong></span><br />
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<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"></span></span><br />
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Este caldeirão de textos, somados às cores e imagens, onde predominam o vermelho, o amarelo e azul, serviu para diversas indagações, principalmente uma autocrítica, da pouca intervenção, ou talvez da pouca visibilidade, das ações feministas do ponto de vista da crítica da cultura, com mais ênfase. Talvez nos falte a veia aguerrida das primeiras mulheres que tiveram de rasgar caminhos com palavras e gestos que punham em questão os alicerces do patriarcado. Talvez nos falte efetivamente uma posição mais pungente no que diz respeito aos avolumados discursos sobre os lugares das mulheres, sobretudo da classe pobre. Por outro lado, ao mesmo tempo em que verificamos enunciações a respeito dos avanços da ciência, da tecnologia, das relações profissionais, percebemos que, no "universo paralelo" das experiências das mulheres, tais avanços não chegam ou até mesmo dizem ter chegado, mas que na prática não verificamos. Para as mulheres de classe baixa resta apenas, pelo visto, a sustentação de uma ordem que necessita de um contingente esmerado em cuidados da casa, nas artes do sexo e da culinária. Curiosamente, em um momento em que se fala tanto de uma mudança nos papéis de homens e mulheres, questiono se esta situação efetivamente existe ou se não é mais uma artimanha que envolve interesses, seduzindo as mulheres para uma confusão identitária, a fim de que mulheres tenham uma imagem de si mais liberta, mais emancipada, mais realizada, quando, possivelmente, toda a suposta mudança aparente está condicionada a permanência da base de sustentação da ordem social burguesa. </span><br />
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<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"></span></span><br />
<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Na revista, o apelo a gratuidade, a um custo de R$3,90, confunde-se com outros chamamentos, como praticidade, efeito, resultados, satisfação, felicidade, a um custo quase zero (!?). É visível e ostensiva associação tendenciosa da mulher à beleza e à casa. Ser prática, isto é, cumprir todas as tarefas da casa de forma econômica e rápida, no estilo "faça você mesma" e, paradoxalmente, permanecer bela, são convites constantes nas revistas "femininas". Desde o século XIX, ou para ser mais precisa, desde a ascensão da burguesia, assuntos como beleza, moda, cuidados com a casa (as crianças não apareceram desta vez), passeiam pela capa de revistas, atendendo aos valores impressos pelos discursos da burguesia. </span><br />
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<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Além das chamadas já expostas, a revista traz um encarte cujo título é: <strong>"Sexo: 69 pergunta e respostas - acabe com todas as suas dúvidas</strong>". A revista concentra idéias de um poder feminino alicerçado a uma satisfação masculina, mas forjada como feminina. Em um dos títulos do encarte sobre sexo há o seguinte enunciado: <strong>"Experimente: você pode ter prazer com essa fantasia masculina</strong>", o enunciado sugere que nem sempre agradar o homem pode ser confortável para a mulher, mas que ela pode se esforçar para transformar uma situação dolorosa em algo agradável para ela, mesmo sabendo que não é. O que isso significa? Mais uma vez a revista feminina centra-se na vontade masculina. </span><br />
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<span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif; font-size: large;">Conforme a revista, basta ser bela, ser uma boa amante e saber cozinhar para a garantir a felicidade, mas de quem? </span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-42576417113480735052010-10-15T16:35:00.000-07:002010-10-15T18:39:58.741-07:00O PAGODE BAIANO (parte II)<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace; font-size: large;">Se por um lado o pagode baiano expressa a voz da classe popular, essa voz, do ponto de vista de gênero, é masculina, e vai significar o outro, a mulher, a partir do que os membros de uma sociedade, da qual ele faz parte e dialoga, considera. Mas na prática as relações de gênero são mais complexas e muitas vezes as contradições dessa relação se expressam no próprio enunciado. A performance do homem, corpo semiótico do qual parte enunciados conflitantes, em relação à mulher, ratifica uma antiga representação de mulheres que ora aparece como uma "patricinha" (as musas, anjos, deusas, virgens) que correspondem às mulheres que possuem um comportamento mais próximo ao que se convencionou chamar de "moça de família", a escolhida para ser a "mãe dos seus filhos" e com quem correrá menos riscos. É a mulher para ser apresentada socialmente aos amigos, parentes, etc, ora aparece como "piriguete" (as medusas, as pandoras, os demônios, as serpentes) que precisam ser mantidas a uma certa distância, mas eventualmente próximas a fim de que possam realizar as suas fantasias e desejos sexuais. Do ponto de vista da classe social, o pagode pode ter um valor cultural, já que as vozes que estão performatizando as músicas e até mesmo compondo são de sujeitos da periferia das cidades, das classes populares. No entanto, faz-se necessário também deixar registrado que esses sujeitos não estão isolados do mundo e que fazem parte de um legado cultural, diversamente cultural, e que são afetados pelo discurso hegemônico machista e misógino, presentes em vários setores da sociedade. Se por um lado, pode-se considerar o pagode como uma "livre" expressão de uma classe, não podemos deixar de dizer que essa liberdade é obtida mediante negociações e a grande negociação é o que se diz em relação às mulheres. As letras trazem enunciados que nos fazem lembrar discursos misóginos seculares eivados de preconceitos, já que a liberdade para a mulher consiste em um autocontrole do seu corpo, o que pode deixar o outro na posição de controlado. Este poder levou muitas mulheres à fogueira séculos atrás. Logicamente, que os discursos caminham no sentido de que tal posição da mulher não deve ser aceita pelo homem e dele deve partir as regras de conduta das mulheres. Quando este homem é da classe popular, as regras ganham um tom universalizante, pois atravessa diferentes camadas sociais, agradando a todos. O homem é educado para controlar tudo, inclusive o corpo da mulher. O discurso encontra uma realidade não muito nova, já que quando as mulheres se libertam totalmente das amarras sociais (e numa sociedade patriarcal, inclui-se a sexualidade) emergem enunciados, proferidos por homens, que os mostram ameaçados diante dessa mulher e, por conta disso, passam a ofendê-las, desqualificá-las, xingá-las, agredindo-as fisicamente, podendo o gesto culminar com a morte. Tal recorrência enunciativa contribui para a reificação da assimetria dos gêneros e para uma reeducação dos gêneros pautados em velhos esquemas sexistas. Quando os enunciados dos homens registram a desqualificação das mulheres, é quando elas exercem mais controle sobre seus corpos e poder sobre eles, só que os desdobramentos podem ser danosos à mulher porque o sistema ainda é patriarcal e não vê punidade ou meio de coibição para a violência masculina, tornando aceitáveis letras que violentam as mulheres, abrindo, com esta permissividade, para outras aceitações tão violentas quanto. O caráter subversivo através da sexualidade não parece acontecer, pois o fato de falar abertamente sobre algo não significa necessariamente uma postura subversiva em relação ao código social, pois a ciência e a religião sempre falaram sobre sexualidade, mas para torná-lo o mais silencioso possível. Essa liberdade no contexto atual é falsa, já que é pautada em antigos discursos binários de controle sexual das mulheres. Além disso, o contexto histórico e social não pode ser desconsiderado em uma análise, pois o popular está em contato com outros registros, com a tecnologia, a história, os disursos, enfim, com tudo que a globalização oferece, incluindo os discursos estereotipados e preconceituosos. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace; font-size: large;">O conflito no discurso enunciado pelos homens ocorre ao trazer a "piriguete" como a mulher desejada, que o faz se sentir mais viril, mais macho, e ao apresentá-la como sendo a razão do seu infortúnio, já que ela também pode significar a sua derrota, seja através de uma negativa inicial, imediata, como não querer dançar com ele ou sair para ir ao cinema, seja através de sua performance, não ter boa "pegada", não beijar bem, não ter bom papo e não atender as expectativas durante o prazer sexual. Ao perceber que não consegue controlar uma mulher que sabe o que quer e que esse querer não o inclui, a sua raiva é extravasada porque afeta o que ele internalizou e que caracteriza, neste modelo de sociedade, um homem vitorioso, daí a desqualificação imediata à mulher. A sociedade patriarcal que confere poderes plenos aos homens, lhes concede também as razões para o seu fracasso, em outras palavras, o aspecto que pode elevá-lo, pode também destruí-lo. O seu comportamento nada mais é do que o produto de um sistema que o sabota. </span><br />
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<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace; font-size: large;"></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace; font-size: large;">Para mudar esse quadro, precisamos ter consciência de como a sociedade cria expectativas de gênero, cabendo às mulheres e aos homens corresponderem a elas ou não. E mais: perceberem que as performances são móveis, situacionais. O grande problema, a meu ver, é que o discurso hegemônico focaliza um aspecto central da cultura patriarcal que é o poder do macho em todas as suas dimensões sociais e a sexual é uma delas porque, paradoxalmente, nela reside a sua fragilidade. Nesse jogo de mascaramentos, expressos por um ódio perverso, esconde-se um sistema opressor para homens e mulheres, muito mais para elas que são desonradas, agredidas, humilhadas e muitas vezes mortas. </span><br />
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<span style="font-family: Courier New; font-size: large;">Bem, para mostrar que pode-se fazer pagodes com letras criativas que promovam a cultura baiana, sem desqualificar os sujeitos que nela habitam, cito a música Açaí Granola, do grupo Sam Hop. Segue a letra:</span><br />
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<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Açaí Granola</span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Sam Hop</span></em><br />
<em><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;"></span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Açaí granola, curió gaiola, gravata gola,</span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">limão sacola, chuteira bola,</span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Dona Isabella vendeu panela pra Dona Estela,</span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Seu Agenor que é machucador. (2x)</span></em><br />
<em><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;"></span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Tem, tem, tem colar de Gandhi, Gandhi, Gandhi,</span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">chapa de flande, flande, flande e alho macho. (2x)</span></em><br />
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<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;"></span><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">O velho mascando jiló, corante de canela em pó,</span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">cachaça de alambique, topic pra Paripe. (2x)</span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">E de repente um som, SAM HOP,</span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">rolava o ti ti ti, o brother do cafezinho gritava assim: (2x)</span></em><br />
<em><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;"></span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">E êta diaxo e vem pra debaixo,</span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Êta diaxo e vem. (2x)</span></em><br />
<em><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">Música na feira, música na feira. (2x) </span></em></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-34767395862771884192010-10-08T15:00:00.000-07:002010-10-08T15:42:13.369-07:00Eleições, mídia e aborto<div style="text-align: justify;">Por que será que exatamente neste momento o aborto passou a ser o ponto central e determinante que qualificará ou não o futuro presidente da República?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">As mulheres sempre se preocuparam com este assunto, sejam elas feministas ou não. A diferença é que as feministas percebem que as recusas em se discutir o assunto não ajudam a melhorar a situação das mulheres que vão continuar a abortar ou, pior, gerar filhos para serem colocados na lata de lixo - na melhor das hipóteses - ou mesmo matá-los. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">De repente, quando uma mulher está disputando o poder, eis que surge o aborto para direcionar os eleitores e eleitoras e,quiçá, alterar o quadro das eleições, favoráveis até o momento à candidata Dilma. Como os votos a serem disputados são de Marina que teve o apoio de quase 20% do eleitorado, cristãos e ambientalistas, tem-se a ideia de que esse público não migrará para Dilma (sim, porque o alvo é Dilma). Ora, se os cristãos são contra o aborto, as cristãs não podem ser a favor da criminalização das mulheres pelo fato de terem de decidir sozinhas que destino dar a sua vida, já que nessas horas o Estado se omite e o parceiro a abandona. Acima de tudo o problema maior hoje é depositar todo o crédito â mulher do seu infortúnio como se o embrião fosse fruto de geração espontânea ou obra do espírito santo. Ninguém fala em responsabilizar o genitor ou o Estado que não cria mecanismos regulatórios que coibam a propaganda que incita as meninas e os meninos a fazerem sexo irresponsavelmente. Por que não se faz filme, telenovela, romances, histórias em quadrinhos que focalizem homens e mulheres se respeitando mutuamente? Por que na hora que o problema aparece a responsabilidade recai EXCLUSIVAMENTE na mulher? E a família que incentiva as práticas sexistas em casa? Ela não tem a sua parcela de responsabilidade? No dia em que se ajustar isso e de fato a legislação passe a funcionar de forma justa erradicando as imagens erotizadas de meninos e meninas, adolescentes e jovens certamente o aborto terá outro tratamento. Quem é reponsável pela publicidade veiculada pelas empresas de turismo que prostitui as meninas e meninos? </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O aborto é uma ponta do iceberg. Debaixo dessa ponta existe uma base patriarcal que sustenta o cinismo e a hipocrisia social. E ainda tem gente - ilustrada de canudo na mão - que ainda diz que não existe patriarcado. Diante dessa reação, só posso explicar tamanho reacionarismo acadêmico através do conceito de "backlash", de um refluxo no qual as feministas - teóricas ou militantes - por se posicionarem publicamente denunciando as estruturas opressoras contra a mulher são rechaçadas publicamente, questionadas sobre a validade de sua abordagem teórica ou luta. Só muita misoginia pode dar conta de explicar a razão pela qual acadêmicos ou não (está tudo nivelado, a misoginia não tem fronteiras) reagem de forma agressiva e contundente sobre a necessidade de se estudar a condição da mulher hoje.</div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-26566911859241261642010-07-25T16:15:00.000-07:002010-07-25T16:15:11.199-07:00GÊNERO E DESIGN<div style="text-align: justify;">Li há pouco tempo um livro sobre linguagem e design intitulado A LINGUAGEM DAS COISAS, de Deyan Sudjic, no qual o autor mostrava como os profissionais dessa área desenhavam os móveis e objetos em geral pensando nos valores já sedimentados na cultura. Em um dos momentos do livro, o autor menciona como os objetos eram projetados de acordo com o que se convencionou chamar de masculino e feminino. Se pensarmos bem, podemos verificar no nosso entorno, nos espaços que transitamos cotidianamente e nos textos com osquais interagimos o quão gendrados são os objetos. Tomemos como exemplo os perfumes, os desenhos e as fagrâncias . Em geral, atribue-se os cheiros mais adocicados às mulheres e os amadeirados e cítricos ao homens. Com automóveis acontece o mesmo: os carros angulares e maiores são vistos como masculinos enquanto que os menores e arrendodados são vistos como femininos. Apesar disto, a recepção pode ser diferente, escapando às expectaivas e intencionalidades do sujeito que produz. Lembro-me da época que o ford Ka foi lançado, modelo 2003. A propaganda do carro trazia mulheres como público destino e as modelos que posavam não eram aquelas que costumávamos ver nas outras propagandas, como objeto de desejo masculino, assim como era um carro. As mulheres apareciam em uma postura ativa e isso era materializado nos elementos semióticos e verbais. Atitudes corporais - braços, pernas, olhar - buscavam passar a idéia de que aquela mulher estaria no carona, mas iria comprá-lo, dirigi-lo. A beleza do carro era destacado. <br />
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Em uma das propagandas um carro de cor preta aparecia próximo a uma modelo também vestida de preto com a seguinte enunciado: “black is beautiful”. Em suma, em se tratando de um produto para mulheres não caberia enfatizar detalhes técnicos, o que certamente estaria estampado no texto publicitário se o veículo fosse projetado para um público masculino. Acontece que o ford ka passou a ser consumido pelo público masculino também já que mesmo sendo um carro com motor 1.0, era leve o que possibilitava um bom desenvolvimento nas pistas, principalmente em ladeiras, pensando em um aspecto específico de Salvador. Resultado: os homens passaram a ver o ford ka como um carro arrojado, forte, veloz e barato. As mulheres continuaram a apostar no ford ka, mas não sabemos se pela beleza, pelo desenvolvimento ou por ser compacto. O interessante é que o efeito na recepção é imprevisível, mesmo com todas as estratégias de venda, principalmente os textos propagandísticos. Um outro elemento importante é que os produtores pensam, racionalizam a partir dos estereótipos de gênero, buscando por referências já internalizadas pela audiência a fim de facilitar a adesão e aceitação. </div><br />
<div style="text-align: justify;">Um outro exemplo muito interessante que pode ilustrar o debate de gênero enquanto arcabouço teórico diz respeito a uma peça publicitária de uma loja de móveis para escritórios. O nome da loja é Maxi Móveis e o propósito do texto é informar, divulgar a liquidação de móveis para escritórios. O que me chamou a atenção foi a imagem localizada no lado esquerdo do texto: duas cadeiras uma na cor azul e a outra na cor rosa. Na azul estava escrito “conforto” e na azul “beleza”. Temos conhecimento que os produtores trabalharam com referências simbólicas já existentes – azul/homem e rosa/mulher e para completar ratifica o imaginário de que as mulheres estariam interessadas na beleza e os homens no conforto. Tendo em vista que uma cadeira é para ser usada no escritório e que precisa estar em condições para suportar o corpo para que ele possa trabalhar melhor, caberia pensar se o conforto não seria mais importante para o desenvolvimento de uma tarefa profissional do que a beleza ou ainda, para sair do binarismo, se ambos não seriam importantes para o desenvolvimento do trabalho. Poderíamos ainda perguntar o motivo pelo qual esta blogueira elegeu o conforto como principal item e porque este item estaria vinculado ao homem, simbolizado pela cor azul, passando assim a valorizar os elementos que estariam associados ao seu sexo.<br />
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De qualquer sorte, valeria acompanhar como as linhas e formas também dizem coisas sobre o seu conteúdo, sobre a ideologia de um grupo.</div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-25270380781978178722010-06-26T06:47:00.000-07:002010-06-26T06:51:19.727-07:00JORNALISMO NA COPA 2010<div style="text-align: justify;">O programa do canal Sport TV, <em>Tá na área África,</em> exibido no dia 26 de junho, às 10h, trouxe para o seu programa três crianças com aproximadamente 12 anos de idade. Infelizmente não acompanhei o programa desde o início. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Das três crianças, apenas uma era menina, provavelmente para evitar acusações de sexismo. Afinal de contas, na terra de Marta, excluir uma mulher do comentário de futebol seria suicídio. Porém a menina que foi selecionada para o programa não entendia muito de futebol e tenho absoluta certeza que existem meninas mais articuladas que poderiam falar um pouco melhor. Até mesmo a que estava lá, se a ela fosse permitida a liberdade de falar, com linguagem própria, talvez pudesse produzir um outro efeito. Porém não foi possível verificar o seu potencial, dado o artificialismo que era o ambiente. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os meninos também não estavam à vontade, pronunciavam frases curtíssimas, e um deles reproduzia os clichês e gestos dos comentaristas esportivos adultos, mas sem qualquer conteúdo. Talvez se deixassem essas crianças falarem espontaneamente, a idéia funcionasse melhor. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O quadro era desolador. Para piorar, o apresentador informava que o destino da copa estava nas mãos deles, pois tinham que rolar os dados que informariam o placar dos jogos. Ao invés de consultar as crianças livremente a fim de que pudessem justificar o seu escore, deixou à sorte o resultado dos jogos e ainda responsabilizou-as por isso. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Uma pena.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nos cinco minutos que eu assisti quase não se ouviam as crianças. A idéia de construir o programa com crianças, isto é, apenas exibindo-as, pareceu sobrepor-se a idéia de permitir que fossem sujeito de suas ações. </div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-68027945999574454012010-05-02T17:28:00.000-07:002010-05-02T18:10:58.842-07:00O ESPARTILHO ESTÁ DE VOLTA?<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="color: #741b47; font-size: x-large;">Há</span> poucos dias assisti na Rede Globo de Televisão uma matéria sobre o espartilho e o corseletes, peças do vestuário feminino que tiveram seu auge na Era Vitoriana. Como sabemos, este período foi marcado por um extremo rigor dos códigos de conduta e pelo rigor com que homens e mulheres viviam a moral chamada vitoriana, porque sob os aupícios da Rainha Vitória. A moral vitoriana consistia em um alto grau de disciplina e controle dos corpos, de uma extenuante racionalidade, em que o comedimento dos gestos e das emoções eram vistos como valores nobres. Tudo isso aconteceu na Inglaterra do século XIX, embora a ideologia tenha atravessado as fronteiras inglesas.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Não é a primeira vez que tentam ressuscitar o espartilho sob o argumento de tornar as mulheres mais "femininas" e, por isso, mais bonitas e desejáveis. As mulheres contemporâneas estão sendo levadas a consumir um produto que promete ser uma versão "democrática" e menos dolorosa da "cintura de vespa" que projeta seios e nádegas, ambos símbolos do erotismo masculino. É sob a égide do discurso da beleza, do glamour e da democracia que a midia tenta revitalizar uma peça que, em algumas versões, impedia a mulher de se sentar.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">O interessante nisso tudo é a recepção. As opiniões se dividem, mostrando que não há consenso e que a visão de passividade do espectador não se sustenta. Se a recepção é importante, os locais de produção não são menos, como assinala Teun Van Dick, analista do discurso. Sendo assim, a tentativa de revitalizar o espartilho pode ser visto como uma forma de relocar a mulher em um limite não apenas físico, mas psíquico, ajustando o seu corpo a uma bandagem e a sua mente a um código de comportamento, responsável pelo redesenhamento do corpo feminino pelo olhar masculino e, por estensão, o redesenhamento da mulher na sociedade. Na Era Vitoriana, havia a compressão do corpo como um todo. A moda era a inscrição simbólica das regras sociais, uma extensão do sentido que a sociedade ideologicamente esperava da mulher. Hoje, não menos diferente, a moda nos informa como funcionam as estratégias de encarceramento das mulheres aos padrões morais e de moda, associando o seu opressor à beleza, a sofisticação, ao desejo. Essa relação sadomasoquista implantada nos discursos contemporâneos produz o que eu considero ser um falso empoderamento das mulheres (na verdade, desempoderamento), mas que não é percebido devido ao alto grau de encantamento, de manipulação, de ignorância, de falta de perspectiva, de novos modelos e despolitização das mulheres. Além de tudo isso, o desencantamento geral com as utopias fizeram com que as mulheres apenas se ajustassem ao que está posto, embora possamos entrever vozes dissonantes nesse processo. É inegável que a linguagem midiática exerce grande influência na formação de opinião porque utiliza os recursos necessários para a formação de um público aderente, mas compete à crítica feminista desenvolver dispositivos interpretativos para analisar os discursos. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Segue abaixo o vídeo exibido pelo telejornal Hoje. Observe como o discurso é construído. </span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><object height="392" width="480"><param value="http://video.globo.com/Portal/videos/cda/player/player.swf" name="movie" /><param value="high" name="quality" /><param value="midiaId=1254094&autoStart=false&width=480&height=392" name="FlashVars" /><embed width="480" height="392" flashvars="midiaId=1254094&autoStart=false&width=480&height=392" type="application/x-shockwave-flash" quality="high" src="http://video.globo.com/Portal/videos/cda/player/player.swf"></embed></object></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Fonte: <a href="http://video.globo.com/Videos/Player/0,,GIM1254094-7759-MODA+DOS+ESPARTILHOS+ESTA+DE+VOLTA,00.html">http://video.globo.com/Videos/Player/0,,GIM1254094-7759-MODA+DOS+ESPARTILHOS+ESTA+DE+VOLTA,00.html</a> </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-30971010267020742222010-02-18T18:04:00.000-08:002010-02-18T18:07:21.670-08:00A INVENÇÃO DO FEMININO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/_aX2slfqT5S0/S33q2ouvs8I/AAAAAAAAAas/GOVgWYnghxs/s1600-h/seios+alterados+atriz.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" ct="true" src="http://1.bp.blogspot.com/_aX2slfqT5S0/S33q2ouvs8I/AAAAAAAAAas/GOVgWYnghxs/s320/seios+alterados+atriz.jpg" /></a></div><div style="text-align: justify;">Keira Knightley tem atuado no cinema em vários e diferentes papéis. O cartaz acima refere-se ao filme Rei Arthur (King Arthur, 2004) no qual fez o papel de Guinevere, parceira de Arthur e Lancelot. A imagem traz dois cartazes de divulgação da atriz, mas há algumas diferenças entre eles. Uma delas, a que eu quero chamar a atenção, diz respeito ao aumento dos seios da atriz, o que não vemos no filme A Duquesa (The Duchess, 2008), quando a atriz não permitiu que manipulassem no computador o volume dos seus seios, vejam abaixo:</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/_aX2slfqT5S0/S33vz8bgelI/AAAAAAAAAa0/2Rgi22GVRDo/s1600-h/the-duchess-011.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" ct="true" src="http://3.bp.blogspot.com/_aX2slfqT5S0/S33vz8bgelI/AAAAAAAAAa0/2Rgi22GVRDo/s320/the-duchess-011.jpg" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">A atriz aparece nesse filme com seus seios naturais, pelo menos quanto ao volume, apesar do vestido moldá-los e destacá-los. Nesse sentido, chamo a atenção para o papel da publicidade no cinema que ajuda a fortalecer um código de feminilidade pautado na fetichização do corpo da mulher, nesse caso os seios. </div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-49931641263458849782010-02-18T17:13:00.000-08:002010-02-18T17:18:19.607-08:00SEU DESEJO É REALIDADE<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">Estava na concessionária navegando na internet e, de costas para o televisor ligado, ouvia o programa de Ana Maria Braga. É interessante como a gente capta muito mais a ideologia quando não está atraída pela imagem, esse feitiço. Ouvi uma voz ao fundo anunciando "seu desejo é realidade". Não pude deixar passar, embora estivesse concentrada no que fazia no computador. Pensei comigo mesma que esse enunciado parecia sintetizar todo o ethos da televisão: fazer com que o telespectador acredite que o seu desejo tenha se tornado realidade. Impressionante a força que tem esse enunciado, pois se no mundo real os desejos estão cada vez mais frustrados devido a impossibilidade de realizá-los, desejo esse alimentado pela própria mídia, ao não satisfazê-lo recorre a própria mídia para obtê-lo. O problema é que ela não satisfaz, mas cria o efeito de satisfação, ainda que momentânea, aliás tem de ser para que o telespectador retorne para a TV. Eu não me lembro o contexto, mas essa frase tem sido reproduzida de maneiras diferentes, mas com o mesmo sentido de promessa. O fato de não conseguir saciar esse desejo é que nos leva a pensar que a promessa não é cumprida, mas ilusoriamente ela é oferece sensações de saciedade. </span></div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3340883590516606129.post-29844186071904539142010-01-11T20:02:00.000-08:002010-01-11T20:13:41.423-08:00NATURALIZAÇÃO DOS PAPÉIS NA MÍDIA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_aX2slfqT5S0/S0vz6-OJZWI/AAAAAAAAAXA/zGA0xk-iQRI/s1600-h/menina-boneca.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" ps="true" src="http://2.bp.blogspot.com/_aX2slfqT5S0/S0vz6-OJZWI/AAAAAAAAAXA/zGA0xk-iQRI/s400/menina-boneca.JPG" /></a><br />
</div><div style="text-align: center;">A ideologia é materializada na palavra "toda" que sugere uma "universalização" da maternidade, endossada na expressão "nasce mãe" que remete a maternidade como algo natural ("naturalização") e <em>inerente</em> à mulher. Tudo isso associado a um gesto valorizado pela sociedade, de "homenagear", "ter cuidado", retratado na forma da menina segurar a boneca. O fato da menina ser negra e a boneca branca mostra a ênfase na maternidade como algo natural, sem marcas particulares, independente se é uma boneca e de outra cor. O destaque está na ideologia conservadora do "instinto natural".<br />
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</div><div style="text-align: center;">Outdoor situado no bairro do Itaigara (Salvador-BA)<br />
</div>Lúcia Leirohttp://www.blogger.com/profile/16329739907951169909noreply@blogger.com2