sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

"PORRA", UMA AGRESSÃO DE GÊNERO

Estava prestes a encerrar as minhas navegações na internet nesta manhã quando me deparei com uma matéria jornalística do Correio da Bahia que informava da proibição da SUCOM dos outdoors que anunciavam a nova música do cantor Tomate. O título da música: "Eu te amo porra" e na sequência um subtexto "você vai amar essa música". Vejamos alguns enunciados:

a) "Censuraram todos os meus outdoors da música 'eu te amo porra' aqui em Salvador. Quem não fala porra??? Hipocrisia" (o cantor). Aqui existe a tentativa de persuadir pelo quantitativo (ver ´Tópica de Aristóteles), já que é o objeto em questão é aceito por todos (universalização sugerida por uma pergunta e não como uma afirmativa, portanto indireta), então é válido.

b) "Por que tirar o 'porra' se é tão natural em Salvador? No contexto da música, se referia a uma expressão de amor. Não ficamos felizes com essa decisão." (Empresário). Neste enunciado, recursos como o apelo a identificação geográfico-cultural, assim como a associação do objeto em questão ao sentimento amoroso, aparecem para reforçar o caráter universalizante e afetivo. Vale mencionar que a indústria do amor romântico (expressão minha) é que mais vende.

c) "Há pouco tempo, na Paralela, tinha um outdoor escrito 'Baêa Minha Porra' e não foi censurado. Por que será?" (Empresário). Mostrar a ocorrência em outras situações em que o tratamento ao objeto tenha sido outro, serve para minar o argumento primeiro, já que pelo princípio da equidade, o tratamento dever ser igual pra todos. É um argumento que vai ao encontro dos valores como a justiça, igualdade, solidariedade que lastreiam a cultura ocidental.  

d) Decreto de Publicidade – Lei 12.392/99, Artigo 15, Inciso IV –, que proíbe a colocação de qualquer meio ou exibição de anúncio, seja qual for a sua finalidade, forma ou composição “quando considerado atentatório, em linguagem ou alegoria, à moral pública e aos bons costumes”. (Órgão) Argumento via legislação também encontra guarida em nossa cultura que reivindica a legislação para a manutenção da ordem.

Os argumentos são todos plausíveis. No entanto, a questão que suscito neste momento é em relação ao que pode ser substituído pelo vocativo "porra", cuja expressão aparece, por sinal, sem a vírgula que caracteriza o vocativo, o chamado. O enunciado seria: Eu te amo, porra. Assim, a questão é identificar quem chama quem? De que forma?

Antes de responder, vejamos algumas definições para a palavra "porra": 1) é o fluido orgânico produzido pelos machos de muitas espécies de animais para transportar os espermatozóides até o local de fertilização na fêmea; 2) Porrete, porra, clava ou bastão é um tipo de taco ou bastão, mais grosso numa das extremidades e geralmente feito de algum material sólido - podendo ser de madeira, pedra, ou metal - normalmente utilizado para fins de necessária força física ou em batalhas de estilo corpo-a-corpo, em especial pelas forças policiais.

Pelas definições acima, percebemos que "porra" faz parte de um campo semântico  masculino, portanto guarda em seu sentido uma referência aos homens. Neste sentido, "porra" poderia ser, por relação paradigmática, substituído por homem ou por um nome de homem. Alguém chama um homem e diz que o ama. Porém, o uso cotidiano da palavra em diferente situações diluiu o seu sentido original, mas manteve o sentido que a associa a violência fálica. Deste modo, "porra" pode estar se referindo a uma mulher (dentro de um código heteronormativo), principalmente porque o contexto nos informa que se trata de uma declaração de amor. Existem contradições no enunciado que apontam para os conflitos de gênero. Como se pode amar com tanta violência e agressão? Será que os homens não sabem mais expressar seus sentimentos sem violência, sem agredir a mulher? Como as mulheres se veem nesta confusão em que aparecem "valorizadas" como objeto de desejo,através da inscrição "eu te amo", mas ao mesmo tempo desqualificadas pela expressão "porra" (se é que percebem esse detalhe)? Elas tendem a se identificar ou rejeitar? Qual o poder de um enunciado quando ele é proferido por um artista que é admirado por um público em formação como o adolescente? Se tudo que há nele, elas gostam, como não aderir a esse "chamado"? Esse enunciado não corrobora para uma aceitação da violência física, através dao raciocínio: ele me agride, mas me ama? 

Assim, para além das questões morais, vejo o enunciado com extrema violência às mulheres e, por isso, considero-o machista, sexista.

http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-1/artigo/eu-te-amo-porra-empresario-de-tomate-critica-decisao-da-sucom/