quarta-feira, 27 de abril de 2011

A INVENÇÃO DE UM NOVO CONTO DE FADA

Kate será mais discreta que Diana, diz biógrafa.
O título da matéria traz em sua constituição um discurso direto, sem aspas e travessão, o que, segundo Fairclough, analista do discurso, acentua a ambigüidade do texto, já que a voz do texto matriz se confunde com a voz do texto atualizado. Apesar de o verbo dicendi marcar o discurso proferido por outro, em um tempo passado, a falta de outras marcas – com as aspas e o travessão – acaba dando a impressão de que o enunciado pertence também à voz do texto jornalístico, gerando ambigüidade quanto ao pertencimento do discurso. Porém, a meu ver, penso que o jornal direciona a sua matéria para a ideia sustentada pelo discurso, já que ele pode selecionar as falas. Essa postura mostra uma adequação ao que se está construindo: a imagem de uma princesa. No entanto, a comparatividade com a princesa Diana e a referência à sua falta de discrição, reatualiza o motivo da sua condenação, atrelando-o ao seu comportamento, ao mesmo tempo em que envolve a nova princesa sob o manto da imaculada. Por outro lado, ser mais discreta não significa necessariamente que se deixe de fazer as coisas, mas que não compartilhe com a imprensa, os olhos e os ouvidos das massas.

A futura princesa britânica Kate Middleton pode vir a ser tão glamourosa quanto Diana, mas há claras diferenças entre as duas. A avaliação é da jornalista Claudia Joseph, autora de "Kate - Nasce uma princesa". "Kate é mais discreta, não vai cortejar a imprensa como Diana fazia. Não veremos a futura princesa em fotografias fazendo ginástica, por exemplo. Ela desempenhará o seu papel de um modo mais consciente e digno de acordo com o seu papel", afirmou Claudia, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Aqui nós temos novamente, por parte do discurso da biógrafa, a desqualificação de Diana e a promoção de uma imagem da nova princesa. Obviamente que, devido ao acontecido à Diana, a nova princesa será regulada pela realeza britânica, o que, pela transcrição da fala da biógrafa, significa aparecer para a imprensa cumprindo a agenda real. Significa que a imprensa só terá acesso ao que puder ser publicável em termos de projeção de uma imagem positiva da princesa. A questão é que os tablóides vivem da especulação da vida privada e não sabemos até que ponto, com tantas tecnologias disponíveis, se isso será possível. Mas a imagem da nova princesa precisa ser construída, ainda que a partir da desqualificação, da negatividade da outra. Vale lembrar que em relação à Lady Di, o moralismo ocidental, que inicialmente tinha construído uma imagem celestial dela, no final, já lhe creditava, de forma velada, a de meretriz.

Claudia acredita que outra diferença está na estabilidade da família Middleton. "A princesa Diana viveu o divórcio dos pais, era uma jovem de 20 anos problemática quando se casou com Charles. O casal tinha uma diferença de idade de 12 anos, quase um vácuo entre gerações. Kate se casará aos 29 anos, os noivos têm a mesma idade e pertencem à mesma geração."
O preconceito estampa o discurso da biógrafa. Os valores burgueses (já que a nova princesa é plebéia) são reforçados e, para esta classe, a unidade familiar, base do discurso burguês, deve lastrear a composição da imagem moralmente intocável da princesa que, como sabemos, não foi ungida por Deus, mas que precisa encontrar um referencial tão nobre quanto e a saída é a família. Mais uma vez, a construção da imagem positiva da nova princesa é feita com base na desqualificação da outra. Se Diana não deu certo foi porque não teve família, Kate tem, é o que diz o discurso. O enunciado reafirma valores burgueses pautados na família e na discrição, isto é, na supressão de uma vida social cotidiana que, paradoxalmente, a aproxime de sua classe de origem.

Durante o anúncio do casamento com o príncipe William, que ocorrerá na sexta-feira (dia 29), Kate fez questão de dizer que a mãe de William, a princesa Diana, "sempre foi uma inspiração".
Aqui há um paradoxo, mas com o intuito de recompor a imagem positiva já internalizada pelas massas de Diana, já que era bastante querida e aceita pela população em geral. Assim, a matéria conclui “apagando” o que construiu anteriormente, uma imagem negativa de Diana, através da seleção das falas da biógrafa, e encerra de forma contraditória, sugerindo, conscientemente ou não, um conflito no plano da significação, entre o já internalizado, uma imagem positiva de Lady Di, e o que reaparece na forma comparativa com a nova princesa, a sua negatividade. Pode ainda ser considerada uma forma estratégica de evitar um posicionamento do jornal, evitando se colocar numa situação de polarização ou, ainda, tentando passar essa ideia para o leitor.

A biografia foi publicada originalmente em 2009. O projeto começou com uma reportagem para o The Mail on Sunday. Com o incentivo de seu editor, ampliou a pesquisa e transformou-a no livro, lançado no Brasil este ano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
O último parágrafo tem um tom informativo, como se neutro, sugerindo o mesmo para o restante do texto desenvolvido.

A matéria acima foi publicada no site: http://www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=5715162