A telenovela Fina Estampa, exibida pela Rede Globo de Televisão, no horário das 21h, tem sido muito injusta com as mulheres sobretudo as solteiras e bem-sucedidas, como a personagem vivida por Renata Sorrah.
A cassação da licença de Daniele (Renata Sorrah) para exercer a medicina teria sido para introduzir o tema ética? Parece que não.
Se obervrmos atentamente, veremos que as cenas da telenovela constróem uma imagem idônea da médica, mostrando que a sua atitude em manejar os gametas foi um ato isolado, na medida em que ela não é descrita ao longo dos capítulos como uma pessoa desonesta, mercenária e reincidente. Cassa-se a médica por um ato pontual em sua longa carreira ética, mas deixa livre um agressor como Balthazar que comete ao longo dos capítulos repetidamente agressões físicas e verbais à sua esposa.
A meu ver, houve um tratamento diferenciado para as duas práticas sociais e penso que este tratamento está relacionado com a visão que ainda se tem sobre o espaço público e privado. Aquele seria mais valorizado do que este, reforçando subrepticiamente o ditado "briga de marido e mulher não se mete a colher". A direção preferiu não se meter e deixar que o clichê, que tanto tem causado dor e destrução às mulheres, permanecesse: o mote de que o amor pode tudo, mas entendendo o amor como uma atitude de subserviência ao outro, herança judaico-cristã que nos persegue há séculos.
Mas essa mesma lógica parece não ter sido usada no caso de Daniele cujo amor pela medicina não foi o suficiente para redimi-la de seu único ato, mesmo tendo demonstrado ao longo de sua carreira uma idoneidade profissional e de ter expressado isso diante do Conselho de Medicina, representado na telenovela como uma instância que nos lembra os inquisidores medievais. O amor de Daniele foi comparado ao de Balthazar e colocado como menor, menos importante. Ele, criminoso reincidente, teve uma chance, mas ela foi queimada viva na fogueira do preconceito e que, por não achar lugar nesta sociedade, se auto-degreda.
O desespero vivido pela personagem chegou ao ponto de querer voltar a fazer vestibular para medicina, no esforço de retornar à sua profissão, a sua única razão de existir, mas ela que já tinha sido condenada à pena máxima, deixou-se iludir, num claro gesto desesperador, de quem segura a único objeto flutuante antes do naufrágio. Sem a possibilidade de reintegração social, Daniele agoniza e é engolida pelas águas patriarcais que norteiam as práticas sociais de gênero.
O que considero também curioso é que Daniele era pesquisadora geneticista juntamente com o seu marido, mas é na viuvez que ela comete o desvio ético. Por que ela se culpa tanto e faz referência à memória do seu marido? Se ele estivesse vivo, ela teria feito a mesma coisa? Ela, por ser mulher, deixou a emoção falar mais alto? Os homens estão isentos a cometer esses erros? As razões seriam as mesmas? Será que a tutelagem, que tanto acompanha o discurso machista, não está sendo reforçada?
Se os homens representam essa regulação racional, as mulheres não seriam adequadas a desempenhar tarefas intelectuais, em razão do sexo. São inaptas a exercerem uma profissão que exige a aplicação da razão e, por isso, devem ser tuteladas. Para piorar, o que está em jogo é a reprodução. É como se elas fossem colocar as emoções acima da razão por uma condição inata ao sexo.
Mas essa mesma lógica parece não ter sido usada no caso de Daniele cujo amor pela medicina não foi o suficiente para redimi-la de seu único ato, mesmo tendo demonstrado ao longo de sua carreira uma idoneidade profissional e de ter expressado isso diante do Conselho de Medicina, representado na telenovela como uma instância que nos lembra os inquisidores medievais. O amor de Daniele foi comparado ao de Balthazar e colocado como menor, menos importante. Ele, criminoso reincidente, teve uma chance, mas ela foi queimada viva na fogueira do preconceito e que, por não achar lugar nesta sociedade, se auto-degreda.
O desespero vivido pela personagem chegou ao ponto de querer voltar a fazer vestibular para medicina, no esforço de retornar à sua profissão, a sua única razão de existir, mas ela que já tinha sido condenada à pena máxima, deixou-se iludir, num claro gesto desesperador, de quem segura a único objeto flutuante antes do naufrágio. Sem a possibilidade de reintegração social, Daniele agoniza e é engolida pelas águas patriarcais que norteiam as práticas sociais de gênero.
O que considero também curioso é que Daniele era pesquisadora geneticista juntamente com o seu marido, mas é na viuvez que ela comete o desvio ético. Por que ela se culpa tanto e faz referência à memória do seu marido? Se ele estivesse vivo, ela teria feito a mesma coisa? Ela, por ser mulher, deixou a emoção falar mais alto? Os homens estão isentos a cometer esses erros? As razões seriam as mesmas? Será que a tutelagem, que tanto acompanha o discurso machista, não está sendo reforçada?
Se os homens representam essa regulação racional, as mulheres não seriam adequadas a desempenhar tarefas intelectuais, em razão do sexo. São inaptas a exercerem uma profissão que exige a aplicação da razão e, por isso, devem ser tuteladas. Para piorar, o que está em jogo é a reprodução. É como se elas fossem colocar as emoções acima da razão por uma condição inata ao sexo.
O ódio às mulheres sem homem é visível nesta telenovela. A uma mulher intelectual, madura e independente reserva-se um final trágico, pois além de ser banida do convívio da sociedade (observe-se que ela não é vista em um círculo de amizades) é resgatada por um homem que não pertence a sua classe social e cultural, descrito como "golpista". No capítulo exibido ontem, 22 de março, em uma conversa com o pai (José Meyer) foi perceptível a sua indiferença ao revelar as suas esporádicas visitas a Daniele na África. Como se a sua aproximação com a médica fosse um gesto de misericórdia. O fato de o modelo ter agora dinheiro coloca-o em nível superior à Danielle que precisou perder o seu status social para ser feliz no amor. Que retrocesso...
Os constrangimentos para esta médica parecem ser poucos: neste mesmo capítulo, enquanto o emergente modelo caminhava pela rua com a médica, ele foi assediado por um grupo de jovens mulheres. Uma delas pediu que ele desse um autográfo em sua roupa, um top. Ele olha para Danielle e ela o autoriza, constrangida, a dar o autógrafo na região do seio. Para suplementar a punição a esta médica, a jovem referiu-se a ela como mãe.
Ela precisa passar por um sofrimento progressivo (pathos) e, como sempre acontece nas tragédias misóginas ocidentais, o desenlace da personagem feminina é a morte física ou simbólica.
Balthazar foi (re)integrado, mas Daniele foi execrada da sociedade, queimada na fogueira por uma hybris sociocultural que confere aos homens privilégios, pois a lei patriarcal ainda é a base das ações nas práticas sociais.
E já que a telenovela tem tanto merchandising, seria uma ótima oportunidade de a Lei Maria da Penha aparecer através de uma cena gravada na DEAM com Celeste denunciando Balthazar, se houvesse de fato algum interesse emancipatório para as mulheres. Como não há, isso se constituiria um desvio ético?