Parodiando um livro intitulado "A ópera ou a derrota das mulheres", de Catherine Clément, 1993, editado pela Rocco, passeio pelas letras das composições de pagode baiano para encontrar os ecos de uma cultura ainda relutante quanto a liberdade sexual da mulher. Se achamos que os anos 60 enterraram os fantasmas de um patriarcado tenebroso, o novo milênio nos oferece textos exemplares que nos mostram a sexualidade feminina como alvo de controle do discurso do homem, pois aparece como um território desejado e, portanto, a ser satisfeito; de tensão, que situa o sujeito que deseja, paradoxalmente, na condição de objeto, pois necessita, depende do outro para que seu desejo se realize, o que significa transferir poderes para o outro. Essa situação de carência, no sentido filosófico do termo, do homem projeta-se nas práticas sociais com violência, ecoando gestos misóginos.
Vejamos alguns versos dos grupos de pagode da Bahia:
"E toda noite ela quer fazer esquema,
pega um pega geral pra ela não é problema, no
carro, no cinema, ou no meio do mato estilo
cachorra ela fica de quatro." (Ela é dog, Oz Bambaz)
Pela visão masculina, a mulher para não ser rotulada e depreciada de "cachorra", isto é, prostituta, ela deve obedecer uma frequencia (qual seria?) de saídas e ter apenas um parceiro. Longe de me deter em um comparativismo, do tipo o homem pode fazer tudo isso sem ser depreciado, ao contrário, passaria uma imagem positiva de virilidade, a mulher teria ainda que limitar-se quanto ao "estilo". Esse discurso, digno de textos vitorianos, período da história da sociedade inglesa do século XVIII/XIX, quando a moral sexual era sustentada através da repressão sexual, sobretudo das mulheres, parece confirmar o que Susana Faludi, nos anos 80, chamou de reação ao feminismo. Tal observância do comportamento feminino perpassa pelos três aspectos mencionados - freqüência, quantidade e performance - categorizando a mulher pelo comportamento sexual que tem. O que está sendo dito no silêncio é que uma jovem (considerando o público que escuta majoritariamente essas composições) para não ser vista como objeto sexual, uma prostituta, precisa atentar para esses três aspectos citados. Também não quero dizer que o comportamento dessas mulheres aqui representadas expressam a sua liberdade, já que elas reproduzem muitas vezes o que a sociedade espera delas.
"E toda noite ela quer fazer esquema,
pega um pega geral pra ela não é problema, no
carro, no cinema, ou no meio do mato estilo
cachorra ela fica de quatro." (Ela é dog, Oz Bambaz)
Pela visão masculina, a mulher para não ser rotulada e depreciada de "cachorra", isto é, prostituta, ela deve obedecer uma frequencia (qual seria?) de saídas e ter apenas um parceiro. Longe de me deter em um comparativismo, do tipo o homem pode fazer tudo isso sem ser depreciado, ao contrário, passaria uma imagem positiva de virilidade, a mulher teria ainda que limitar-se quanto ao "estilo". Esse discurso, digno de textos vitorianos, período da história da sociedade inglesa do século XVIII/XIX, quando a moral sexual era sustentada através da repressão sexual, sobretudo das mulheres, parece confirmar o que Susana Faludi, nos anos 80, chamou de reação ao feminismo. Tal observância do comportamento feminino perpassa pelos três aspectos mencionados - freqüência, quantidade e performance - categorizando a mulher pelo comportamento sexual que tem. O que está sendo dito no silêncio é que uma jovem (considerando o público que escuta majoritariamente essas composições) para não ser vista como objeto sexual, uma prostituta, precisa atentar para esses três aspectos citados. Também não quero dizer que o comportamento dessas mulheres aqui representadas expressam a sua liberdade, já que elas reproduzem muitas vezes o que a sociedade espera delas.
Paradoxalmente, a masculinidade é sustentada pela mulher que é depreciada na música. Portanto, ao mesmo em que a "mulher fatal" é desejada e ostensivamente representada em diversos meios pelo homem, para sustentar uma masculinidade forjada (que ele sequer percebe), ela é depreciada por também representar aquilo que não pode ser pertencido e que também expõe fragilidade e limitações humanas sexuais. Por isso essa mulher aparece desejada e desqualificada ao mesmo tempo. Essa situação torna a vivência da mulher mais difícil porque ora ela é desejada, ora, pelos mesmos motivos, ela é execrada.
Vejamos outros versos:
"Diana, menina, danada, rosada, rodada, tarada;
Saiu pra que;
Eu vou varrer, eu vou varrer;
Eu vou varrer, eu vou varrer." (Dyana quer varrer, Oz Bambaz)
Esse trecho me chamou a atenção por conta do sentido de controle da mulher pelo gesto de SAIR. O espaço público ainda seria hostil às mulheres? "Saiu para quê?" não estaria questionando a mulher no espaço público e vinculando essa saída a uma experiência sexual? Esse pensamento está na base ideológoca do patriarcado (que alguns e algumas insistem em dizer que não existe mais) porque consiste em aprisionar a mulher no espaço doméstico. A mística feminina (Betty Friedan), que impunha um problema que não tinha nome para as mulheres de classe média norte-americana nos anos 60, combina-se a elementos mais contemporâneos e, num "remake", inscreve, no século XXI, no Brasil (e muito provavelmente em outros países também), mulheres de diferentes classes sociais, a um programa de reestruturação que inclui, novamente, a intervenção no comportamento feminino. O pagode baiano tem sido um espetáculo de ressignificações comportamentais de gênero para as mulheres que, sem outras alternativas que as valorizem, entregam-se à sorte ou ao pagode. Não existe para a mulher uma outra forma de se inserir que não seja pelo seu corpo, modelado, desejado, velado, destroçado, mas sempre corpo fetichizado pelo olhar masculino.
Vejamos outros versos:
"Diana, menina, danada, rosada, rodada, tarada;
Saiu pra que;
Eu vou varrer, eu vou varrer;
Eu vou varrer, eu vou varrer." (Dyana quer varrer, Oz Bambaz)
Esse trecho me chamou a atenção por conta do sentido de controle da mulher pelo gesto de SAIR. O espaço público ainda seria hostil às mulheres? "Saiu para quê?" não estaria questionando a mulher no espaço público e vinculando essa saída a uma experiência sexual? Esse pensamento está na base ideológoca do patriarcado (que alguns e algumas insistem em dizer que não existe mais) porque consiste em aprisionar a mulher no espaço doméstico. A mística feminina (Betty Friedan), que impunha um problema que não tinha nome para as mulheres de classe média norte-americana nos anos 60, combina-se a elementos mais contemporâneos e, num "remake", inscreve, no século XXI, no Brasil (e muito provavelmente em outros países também), mulheres de diferentes classes sociais, a um programa de reestruturação que inclui, novamente, a intervenção no comportamento feminino. O pagode baiano tem sido um espetáculo de ressignificações comportamentais de gênero para as mulheres que, sem outras alternativas que as valorizem, entregam-se à sorte ou ao pagode. Não existe para a mulher uma outra forma de se inserir que não seja pelo seu corpo, modelado, desejado, velado, destroçado, mas sempre corpo fetichizado pelo olhar masculino.
Olá professora!!! Fui sua aluna no Campus XIX da Uneb....
ResponderExcluirAdorei o texto!!! O encontrei vasculhando na net, pois estou desenvolvendo um artigo científico sobre A figura da mulher nas letras de música de pagode baiano. Caso tenha mais estudos a respeito, textos, artigos gostaria que compartilhasse para agregar valor e conhecimento ao meu trabalho.
Atc, Joiciane (joicy_anne@yahoo.com.br)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá Joiciane
ResponderExcluirOs estudos sobre a mulher e o pagode ainda são recentes. Acho que você deveria ler um pouco de teoria feminista porque ela fornece conceitos-chave para o entendimento de como existem na nossa sociedade relações assimétricas marcadas por gênero. Tem um livro na biblioteca do Campus XIX que se chama "tecendo por trás dos panos". Ele irá situá-la sobre o lugar da mulher na sociedade patriarcal. E como você está operando com linguagem (letras de música), é interessante ler alguma coisa sobre a análise do discurso, de preferência a inglesa (tem a francesa também). Qualquer coisa, me fale. Abraço e sucesso em sua pesquisa.
Ok, obrigada pelas dicas, estou construindo o referencial teórico e as recomendações chegaram na hora certa. Abraços e muito obrigada
ResponderExcluirOlá Profª,
ResponderExcluirSou estudante de Letras e faço as mesmas perguntas ? A mulher está sendo valorizada pelo "balaio", ou está sendo depreciada como "cachorra" ? elas são cachorras por opção ? Ou para agradar o outro e assim ter a idéia de estar no poder ? Em " Toma negona / Toma chupeta / Toma negona / na boca e na bochecha " , cuja a coreografia no Rio de Janeiro é conhecida como dança da perereca o que a mulher ganha em troca ao dançar conforme a música ? Longe de querer definir o certo ou errado, quanto ao comportamento sexual, principalmente a partir de uma tradição judaico-cristã, o que me pergunto é se rótulos como periguete, cachorra, são nomes apropriadas para mulheres mais autorizadas.
Em "Relaxe na Bica" da banda Black Style temos uma mulher autorizada que vai e fica porque quer e com quem quer e porque ela quer relaxar, e na velocidade ( como na Dança do Créu ) que ela quer( 1,2,3,4,5 ... ), e sinceramente não vejo nada demais, mas qual a conotação da palavra "relaxar" ?
Roseane Leal Fraga
Não sei o que pela cabecinha desses "compositores" ao criarem tão "filosoficas" e "belas" letras.
ResponderExcluirFalta criatividade,respeito e estudo!
Uma pena! :(
oi tava fazendo uma pesquiza,pois sou 9 ano do ensino medio,e gostei do texto/?
ResponderExcluirOlá, Anônimo
ResponderExcluirFico feliz que tenha gostado. Você vê da mesma forma ou teria outra leitura?
Abraços
Lúcia Leiro
oi tambem sou 9 ano do ensino medio, passei por varios Blogs a procura do meu trabalho, e esse texto foi o que eu mas mi indentifiquei é tambem acho que algumas musicas de pagode acabam com a imagem da mulher na sociedade, parabéns adorei o texto:)
ResponderExcluirOlá, anônimo,
ResponderExcluirQue bom que tenha gostado. Qual a sua escola?
Um abraço
Lúcia Leiro
Olá Professora. Primeiramente quero parabenizar-lhe pelo texto. Amei-o!
ResponderExcluirSou estudante de Letras e pretendo desenvolver meu Trabalho de Conclusão de Curso analisando o discurso das letras de músicas do pagode baiano para identificar como a mulher é representada em tais composições. Visualizei nos comentários anteriores algumas sugestões suas para se trabalhar com essa temática. Se você tiver alguma sugestão para mim, texto, etc. ficarei muito grata!