segunda-feira, 31 de agosto de 2009

BARBARELAS E NIKITAS DOS TRÓPICOS

Não me elegeram a garota do fantástico, não me subornaram, será que é meu fim” (Cazuza)


Demorei a postar um comentário sobre a professora que foi demitida porque subiu ao palco para executar uma coreografia com base em uma música de pagode.


Sabemos que as coreografias das músicas de pagode ressaltam movimentos do corpo da mulher (não excluindo o masculino, mas a significação é outra, até porque atravessado pela cultura de gênero) sustentados pela forte carga apelativa em torno da sua erotização. O caso em questão tem sido alardeado pela mídia e me interesso em expor aqui alguns pontos que considero oportunos salientar.


A repercussão do fato, através de um vídeo amplamente divulgado no youtube, chama a atenção para a profissão (professora) e o nível que ensina (infantil), muito embora outras meninas estivessem no palco realizando a coreografia. Isso significa que a identificação da profissão dessa mulher foi determinante, já que as outras, que também estavam no palco, passaram despercebidas, ou seja, o problema está muito mais na afronta que a professora fez a um código burguês, portanto, transgressora nesse aspecto, do que na dança em si. Isso porque não se está interessado nas mulheres que erotizam seus corpos, mas em uma mulher específica, vista como representante da classe burguesa, ou ainda que a burguesia elegeu para representá-la. Esse “choque” fica visível quando o imaginário entra em cena. Em um dos vídeos divulgados o título ressalta sentidos que demonstram bem a zona de conflito das culturas: “professora putona”, “professora dança todo enfiado”, etc. Acontece que na sociedade pesou a moral burguesa. Nenhum movimento se pronunciou a respeito, saiu em defesa, ao contrário, silenciaram-se. Somos todos burgueses?


As meninas dançam dessa forma em outros espaços, mas como não são exibidos e não geram maiores repercussões também não geram reações. Independente de ser professora, o que considero importante discutir é a espetacularização do corpo da mulher reduzido a objeto de referência masculina. O fato de não ser professora não minimiza o problema. O pagode baiano tem produzido meninas ávidas por se encaixar em um produto engendrado pela indústria cultural, meninas prontas para o consumo. Mas que consumo? Interesso-me em analisar o modelo de sociedade que sustenta essas práticas sociais, pois desde cedo as meninas são incentivadas a desfilarem seus corpos pelos bairros e shoppings, congelando-se em uma imagem que reproduz os valores de uma sociedade que as ignora em sua humanidade. Meninas pobres ou de origem pobre, na sua maioria negras, são estimuladas a exibirem seus corpos e formatá-los conforme os interesses econômicos de uma classe dominante. Em nossa cidade, a exploração do corpo feminino é visto como gerador de uma cultura de gênero assimétrica por onde perpassam as dimensões de classe e raça, embora considere as práticas sociais uma tessitura complexa, pois nem sempre quem explora é tão Outro assim, às vezes, muitas vezes, é a nossa própria imagem especular.


O que eu gostaria de chamar a atenção é para uma questão muito mais ampla que é a mulher vista como um subproduto de uma indústria de consumo: as barbarelas e nikitas dos trópicos.

3 comentários:

  1. De todos os elementos do "debate" sobre o fato, o que me chamou muito a atenção foi o silêncio sobre a forma como o "cantor" se sentiu, ou seja, extremamente a vontade para levantar a saia da mulher (professora) que dançava. Uma licenciosidade característica do machismo.

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  2. De fato, ele possui um tipo de "autorização" legitimada. Ótima a sua observação. O que acontece é que o foco em geral recai na mulher. Mas ainda está em tempo de elaborar uma reflexão sobre isso... :)

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  3. Oi! Amei seu blog. Quando quero suscitar essas discussões com algumas colegas, ouço insinuações sobre puritanismo na minha fala. Mas a questão não é o que a mulher faz, mas a ausência de reflexão sobre o ato, que faz com que ela não perceba que é uma marionete, e não uma "mulher independente e bem resolvida", como muitas dizem.

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