quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Mandem no mundo (garotas) - Beyoncé

Run the World (girls)



A letra é composta por Beyoncé e traz também a participação de Major Lazer (Diplo e Switch), DJs responsáveis pela música. Tive conhecimento da composição através de uma aluna, após uma discussão sobre relações de gênero, condição da mulher, representações da mulher na mídia. Ao final da aula, ela me enviou por e-mail a letra traduzida e o link do videoclipe. Durante a sua intervenção, ela chegou a considerar que a produção artística tinha um olhar  feminista, mas que, ao perceber que a cantora na performance "bate continência" para os homens, isso a teria feito mudar de opinião, pelo menos naquele momento.

Lembro-me que havia lhe dito que o gesto de "bater continência" tinha uma conotação de poder. A discussão prosseguiu e entrou pela aula seguinte. A questão é que na cultura militar, de onde o gesto tornou-se difundido, quem primeiro saúda é quem possui nível hierárquico inferior, o que traduziria na música uma inferioridade feminina. Talvez isso tenha trazido uma ambiguidade à composição.

O videoclipe é um texto audiovisual que eclodiu nos anos 80 em uma linguagem mais voltada para a televisão. A sua estética veloz e de imagens fragmentadas coaduna com a narrativa condensada e sugestiva, daí a dificuldade de encerrar uma interpretação fechada, provocando, em geral, diferentes possibilidades interpretativas, uma das riquezas, a meu ver, deste gênero. Seu propósito consiste em divulgar uma música e, obviamente, o artista, e é exibido em televisão, tornando-se um meio poderosos de massificação musical e de projeção de cantores e cantoras.

Em relação a Beyoncé, sabe-se que o seu grupo é formado apenas por mulheres e o videoclipe reforça essa escolha. A letra projeta a mulher em um mundo em que a sua afirmação de gênero se faz mediante a um discurso contundente, expressivamente firme, (em palavras, gestos e passos de dança) que busca por uma unidade das mulheres. O discurso de “quem manda” sugere uma disputa por espaço, de afirmação, dentro de uma sociedade de consumo em que o poder está relacionado ao que se pode comprar e pagar. As ideias de poder envolvem a emancipação em relação aos homens, através da autonomia financeira, do controle sobre a sua sexualidade, muito visível no vídeoclipe através do vestuário com base em tecidos diáfanos, meias de liga e lingerie, do acesso ao conhecimento (Deixe-me fazer um brinde/ Para as universitárias graduadas), e no direito de ter uma profissão e à maternidade (cuidar das crianças e dos negócios).


O videoclipe é visualmente rico, composto em um ambiente underground, no qual dois grupos formados de um lado por mulheres e de outro por homens se enfrentam, nos lembrando dos videoclipes de Michael Jackson como Beat it, por exemplo. Os homens aparecem munidos de equipamentos militares (cassetete, escudo, medalhas de condecoração, farda, coturno, capacete), mas o outro (quem sabe o mesmo) aparece com leves semelhanças, porém sem os capacetes, os escudos. Esta ambiguidade pode sugerir uma linha tênue entre os dois mundos, até porque, se tomarmos a continência como exemplo, veremos que grupos não apenas militares a utilizam, mas os paramilitares ou, em suma, qualquer organização. O uso da continência está relacionado, assim, à identificação de membros do mesmo grupo. Se a saudação tem a ver com a identificação de pessoas que se reúnem para um mesmo propósito, de defender o território, neste sentido, o grupo de mulheres do videoclipe pode estar se colocando como um grupo organizado disposto a defender o “estado” das mulheres, mas que ao se dirigir para o outro, homens, reconhece-os como parte deste estado, no entanto essa aproximação não é sem tensão haja vista as referências no video ao carceramento e ao sofrimento das mulheres, evocados na modelo que está dentro de uma jaula e na outra que está amarrada em posição de crucufixão. A liberdade,  a incontinência do prazer, expressa nas roupas das dançarinas, podem sugerir uma crítica ao olhar fetichizado sobre a mulher-objeto, e que elas utilizam agora como forma de empoderar-se. Mas ainda fica vaga a ideia de como se dá esse empoderamento, na medida em que ao se colocar nessa condição na vida real, elas são violentadas ou mortas, já que passam a controlar o desejo masculino.

Existem recursos simbólicos que envolvem cores, gestos, mas também animais, a exemplo do cavalo, hiena, búfalo, leão, espécies de origem africana e americana, podendo ser entendida como uma referência a cultura afro-americana.  Os animais estão associados ao poder, à altivez, à força.

Segue abaixo a letra da música traduzida

Garotas, a gente manda nesta m*.


Garotas, a gente manda nesta m*!
Garotas, a gente manda nesta m*!
Garotas, a gente manda nesta m*!
Garotas!
Quem manda no mundo?
Garotas!
Quem manda no mundo?
Garotas!
Quem manda no mundo?
Garotas!
Quem manda no mundo?
Garotas!


Quem manda nesta merda?
Garotas!
Quem manda nesta merda?
Garotas!
Quem manda nesta merda?
Garotas!
Quem manda nesta merda?
Garotas!


Alguns daqueles homens pensam que detonam isso
Como nós
Mas não, eles não detonam
Vão conferir, cheguem em seus pescoços
Nos desrespeitar?
Não, eles não irão

Garoto, nem tente tocar nisso
Garoto, essa batida é louca
Foi assim que eles me criaram
Em Houston, Texas querido

Essa vai para todas as minhas garotas
Que estão no clube curtindo a última novidade
Que compram para si mesmas
E ganham mais dinheiro depois


Eu acho que preciso de uma folga
Nenhuma desses manos podem me ocultar
Eu sou tão boa nisso
Vou te lembrar, eu conheço bem isso


Garoto, estou apenas brincando
Venha aqui, querido
Espero que você ainda goste de mim
F*, me pague


Minha persuasão
Pode construir uma nação
Poder infinito
Com o nosso amor, a gente pode devorar


Você vai fazer qualquer coisa para mim

Refrão

Está quente aqui em cima DJ
Não tenha medo de tocar essa, tocar essa de volta
Estou falando em nome das garotas
Que já dominaram o mundo

Deixe-me fazer um brinde
Para as universitárias graduadas

Amigo, uma rodada e
Eu te deixo saber que horas são, veja
Você não pode me deter
Eu me arrebento o dia todo, melhor ir pegar meu cheque


Essa vai para todas as mulheres
Que estão conseguindo
Alcançando seus objetivos
Para todos os homens que respeitam
O que eu faço
Por favor, aceite meu brilho


Garoto você sabe que adora
Como somos espertas o bastante para ganhar milhões
Forte o suficiente para lidar com as crianças
E depois voltar aos negócios

Veja, é melhor não brincar comigo
Oh, venha aqui querido
Espero que você ainda goste de mim
F*, me pague


Minha persuasão
Pode construir uma nação
Poder infinito
A gente pode devorar o amor

Você vai fazer qualquer coisa para mim

Refrão

Podemos ver o videoclipe como um encenação do que seria aparentemente uma guerra dos sexos, desta vez protagonizados por mulheres negras urbanas que performatizam as disputas pelos espaços de poder entre mulheres e homens. No final do videoclipe, quando ocorre a continência, dá a entender que as mulheres formam um grupo tão organizado quando o dos homens e que, pela altivez, representada pelo corpo esguio e cabeça suspensa, a ideia é fazer com que eles as respeitem também.

3 comentários:

  1. Olá Lúcia! Gostei bastante do seu texto e comentário sobre a música da Beyoncé.
    Estou fazendo um trabalho escolar sobre a relação mídia-mulher-erotismo, então eu gostaria de saber se seria possível você fazer uma postagem no blog sobre esse tema ao longo das décadas. E se não for possível, tem algum link que você possa indicar?
    Obrigada.
    kariinesouza@hotmail.com

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  2. Karine

    Obrigada pela sua postagem. Bem, como você deve saber, apesar da mídia ter uma grande inserção na vida social das adolescentes, parece que o estudo não segue na mesma proporcionalidade ou pelo menos é menos visível e exposto do que os textos midiáticos (previsível até). Eu não conheço outro material, mas tem um livro intitulado Gênero e Mídia, da Editora Mulheres, organizado por Susana Bornéo que pode ajudar.

    Você é de Salvador/BA?

    Abraço

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